domingo, 17 de maio de 2009

Rafael no farol

Um rapaz me abordou na esquina da Avenida São João. Uns vinte anos. Magro como um artista da fome. Sem dentes como se pudesse comer carne só com as gengivas.
A magreza estampada nos olhos: crack. Que doença o vício que tira a consciência e mata neurônios. Olha-me profundamente e diz:
-Só uma moeda. Uma ajudinha. O que teu coração mandar.
Eu: sem um puto de um tostão. Ele: limpando todo o vidro do carro. Eu pensava: que magreza!
Ele tinha uma tatuagem de um nome no antebraço. Parecia as tatuagens que costumo ver em filme que tem presidiário. Os olhos do menino eram verdes e opacos. Abri os vidros e me desculpei. Senti minha a obrigacao de olhar para ele com carinho: o mínimo que eu podia fazer por um cidadão. Será que ele so usa crack e nao come a quanto tempo? E família? Existe? Casa? Banho? Lembro que não tenho dinheiro. Havia dado um real para um outro menino que vi sentado sem esperanca. E esse menino nem tinha pedido moeda! Lá no fim da Avenida Rebouças ele chorava sozinho.
Digo para o limpador de vidros:
-Não tenho dinheiro.
Ele me olha nos olhos e repete:
-Faz o que teu coração mandar.
Me corta por dentro as palavras daquele menino, limpador de vidros. Certamente, ladrão nas horas vagas. Claro, quando o crack estiver na telha, talvez seja diferente as atitudes do rapaz. Quem sabe esse menino não é como os dois que vi ontem na Rego Freitas?
Cena real: Passo de carro e paro no farol vermelho. Dois homens-meninos estavam abordando um sujeito. Um dos homens-meninos tinha uma faca. Eles bateram e tiraram a carteira e o telefone do que muito reagiu e apanhou na mesma proporção. Pensei o que faço? Ré? Não dava. Pensei em polícia, mas era tudo deserto. Pensei em gritar. Todavia, até eu conseguir pensar nisso tudo, eles já tinham fugido por uma quebrada e o menino roubado corrido em outra direção. Tudo tão rápido. Em um instante tudo era só deserto novamente. Poucos segundos depois o farol tornou-se verde.
Que confusão! Não dá pra acreditar que esse limpador de vidros é tão agressivo quanto os dois da cena de ontem. Será que é tudo ilusão de ótica? Será, só porque agora eu olhava esse menino-homem de outra perspectiva? O limpador de vidros estava tão perto e me olhava tão fundo nos olhos que eu podia ver sua alma.
Ele me viu procurar a moeda. Sentiu o doce de meu olhar e a atitude de cuidadora. Ele olhou o mais dentro de mim que conseguiu. Abri mais os vidros e disse:
-Meu coração manda eu te dar dinheiro, mas não tenho aqui.
Ele disse:
-Você é evangélica?
-Acredito em Deus, respondi.
-Então, me põe ai nas suas oração. Meu nome é Rafael. Não esquece, não! Vai com Deus.
Me cortou o coração. Tanto e quanto que quero o bem dessas pessoas. Quanto e tanto que eu acredito na harmonia de um mundo mais justo. Slowly, dou direção aos pensamentos, de braços abertos a humanidade.

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