domingo, 19 de julho de 2009

Ação Social Concreta Continuada


Museu da Imagem do Inconsciente RJ

Ação social concreta continuada no topo da árvore do Teatro do Oprimido. Nas raízes dessa árvore: ética, estética e solidariedade. Almejamos fazer teatro como política. Atualmente participo de um projeto na área de saúde mental, que é uma parceria do Centro de Teatro do Oprimido e o Ministério da Saúde.
Trabalho como coordenadora/curinga local do Pólo do Litoral Paulista. São muitas as estórias e as transformações, pessoais e coletivas, que observamos durante nosso trabalho. Queremos que o teatro possa ser utilizado como linguagem e como voz para a comunicação daqueles que são privados do seu o direito de falar. No caso da Saúde Mental; pela falta de autonomia para buscar seus direitos, que não estão garantidos de forma satisfatória.
Uma dentição saúdavel, por exemplo, poderia melhorar as possibilidades de articulação verbal, favorecer a comunicação e consequentemente criar maior possibilidade de autonomia. Ao garantir a dentição saudável está suprida uma das necessidades básicas para que o ser humano viva dignamente. O direito a cidadania, a saúde e aos direitos humanos são essenciais a todos, assim pensamos e agimos .

Dificuldades das falas: rebaixamento cognitivo, longos anos de tratamento e uso de medicamentos controlados, quandros psiquiátricos associados a quadros neurológicos, perdas advindas dos períodos de crise, falta de dentes, de higiene pessoal. Isso advém da difiiculdade de chegar até os recursos (por falta de autonomia) e acessar meios de cidadania.

Como coordenadora local visito 13 grupos em equipamentos de saúde mental do litoral paulista observando, trabalhando junto com os profissionais da saúde, os úsuarios de saúde mental, os familiares e a comunidade. Queremos que um ser humano não seja trancado em hospitais. Consideremos Foucault em seu livro sobre a historia da loucura, logo perceberemos que é uma questão histórica e opressiva.
O direito de ser amado, respeitado também deve ser concedido aos que são diferentes. Afinal quem é normal? Óbvio que esses pacientes quando medicados ficam embotados. Certamente estamos falando de pessoas com uma sensibilidade aguçada. Isso deveria excluir alguém do meio social?
O teatro que realizamos não faz milagre. Entretanto, provoca questionamentos e profundas mudanças pessoais e coletivas.
Afirmo: o amor pelo ser humano, inclusive pelos que sào tratados como a escória da sociedade é transformador. O amor de ser humano para ser humano humaniza a humanidade e a trasforma. O "se ver agindo" que o teatro nos proporciona pode revolucionar ações e posturas perante a vida. Vamos solidarios amar atuando de forma consciente na vida!
Falemos sobre um dia de visita que fiz os multiplicadores de Teatro do Oprimido com os quais trabalho no projeto "Teatro do Oprimido na Saúde Mental" . Os multiplicadores são psicólogos, terapeutas, assistêntes sociais, enfermeiras, fonodiólogos. A visita foi feita ao Selab, um Lar Abrigo, residência terapêutica para portadores de doenças mentais em Santos. Este equipamento é uma casa de saúde, de portões fechados, onde moram usuários da saúde mental que não possuem famílias, que tem casos severos. Muitos são remanescentes do hospital psiquiatrico Anchieta, que foi o primeiro hospital psiquiatrico a ser fechado no Brasil. Nesta casa procura-se humanizar o tratamento psiquiátrico. Há varios profissionais que trabalham em equipe para garantir uma vida sem camisa de força, sem choques elétricos, sem tortura.
Algo se repete a cada visita que faço ao Selab: quando chego à unidade os usuários estão espalhados pelos cantos e cômodos da casa e quando chamamos para o teatro mais de quinze se reúnem para a Oficina de Teatro do Oprimido. Dizem que a loucura entre outras coisas é a falta de habilidade de se comunicar, o isolamento, o descontrole, o delírio, a alucinação, o embotamento das emoções. Será que esses seres humanos não sentem? Não acredito.
Zip, zap foi o exercício feito em roda. Os internos atentos passavam os comandos do jogo. Por vezes trocavam zip pelo zap e por outras acertavam : como acontece na maioria dos grupos que trabalhamos quando aplicamos o jogo pela primeira vez, ou seja todos nós temos dificuldade. Imaginem quem toma Haldol, Diasepam, Akineton e outros tantos remédios fortissímos no mesmo dia? Será que são nossos olhos olham os usuários de saúde mental dentro de uma moldura antiga? Será possível ver todo ser humano com dignidade? Não é só possível: é necessário.
Os pacientes do lar abrigo são altamente medicados, logo seia rídiculo falar que não há nenhuma diferença. Existe dificuldade de relacionamento, porém embotamento não há, pois cada um da sua maneira interage. A interação entre eles é outra. Um dos fatores que tem me chamado a atenção nas oficinas é a dificuldade do trabalho em grupo, porém se são estimulados eles podem fazer um exercício razoavelmente complexo, que exige concentração. Essa semana fizemos uma improvisação baseada no Santa Tereza (técnica que trabalha improvisação e criação de personagem), os personagens eram paciente e médico. O grupo precisa que cada curinga ou multiplicador os acompanhe, dupla por dupla ou se dispersam. Lembrei-me de Paulo Freire que comentou sobre a angústia de planejar e saber que tudo pode ser transformado, se for em pró do diálogo do conteúdo proposto com a realidade dos participantes.
Aparecem devaneios em algumas duplas. Uma das duplas, por exemplo, ao perguntarmos quem faz o médico e quem faz o paciente eles respondem: sou o acomodado e o outro replicou e eu sou o preguiçoso. Será possível que eles sejam chamados tantas vezes de acomodados e preguiçosos que eles se sentem a vontade para fazer esse personagem? Em uma outra dupla surgiu o dentista e o paciente:
Paciente: Doutor eu preciso arrumar meus dentes. Podre assim ninguém vai querer me beijar.
Doutor: Não! Não eh muito caro.
Paciente: Mas eu preciso, preciso arrumar os dentes!

Ele mostra os dentes podres pra o Doutor.
O Pereira que faz o doutor vira ele mesmo e olha pra mim mostrando seus tocos de dentes podres e diz: Eu também, olha os meus dentes! Eu também quero ir ao dentista! Logo estava criado um grande círculo em volta de nós, como se estivéssemos atuando em arena. Logo, aparece uma outra usuária fazendo uma Doutora e leva os dois pacientes para o consultório.
Médica: eu posso tratar seus dentes, só que eh muito caro.
Paciente: Então não dá.
Outro paciente: Mas, isso aqui não é um lugar público?
Dentista: Não aqui eh meu consultório particular. De graça não tem jeito.
Perguntei se eles queriam ir ao dentista: mais da metade do grupo levanta as mãos e mostra os dentes podres. Como eu nunca havia reparado naqueles dentes podres?
Ação social concreta continuada necessária: dentista para os usuários internos da residência terapêutica. Eles também são seres humanos e tem o direito de comer, de falar, de ter saúde! Alguns ganham beneficio mensal e também moram em uma casa de responsabilidade pública. Logo a responsabilidade pela saúde bucal dessas pessoas também é publica. São pessoas sem família, sem amor, sem privilégios, sem casa própria e sem autonomia. São pessoas que moram em uma casa coletiva. Que fizeram eles para ter tanto dente podre? Tanto desprezo? O que esses psicóticos esquecidos pelo mundo fizeram? Além de serem sensíveis, diferentes, pobres e abandonados? Queremos dentista para os usuários! Falei com a Coordenadora de Saúde de Santos sobre a questão. Estamos trabalhando em conjunto: o Teatro do Oprimido e a coordenação da saúde mental do município. Política publica não pode ser feita só por um. Viva as diferenças e o direito a saúde!

A mulher no ano 2000 e tantos. Até quando?




Há homens que tratam mulheres pelo "than" A televisão produz mulheres enlatadas, loiras, morenas, peladas prontas para seus sonhos. Enlatadas. Peladas. De roupas, quero dizer de mascaras.- Seu trouxa, mulher é aquela da televisão!Enlatadas. Peladas. De roupas, quero dizer de mascaras. - Nossa que calor mano! Que tal uma gelada pra tomar e umas gostosas pra catar?Conversar com a namorada, passear de mãos dadas, ouvir o cantar dos pássaros ao lado da mulher amada... Romantismo piegas? Corpos nus são tao belos, que heresia discrimina-los! Mas que tal ver mais que a perna desnuda, mais que o redondo da bunda?Homens compram, assistem, comem e cospem mulheres enlatadas prontas para representarem seus papéis na guerra do milênio.Extra! Extra! Mulher sem dente assiste propaganda enganosa. Compra pasta de dente com proteção máxima e continua com bafo!Da edição: esta mulher assiste novela, faz comida, cuida da casa, dos filhos, do marido e trabalha de diarista. Quase não se percebe que a mulher sem dente também se cansa, que canta enquanto lava roupas, que cozinha com alho e cebola, que beija os filhos e que conta estorias para dar aos pequeninos bom sonhos. O que se percebe eh o corpo disforme. O marido olha a mulher que carinhosamente quer dar um beijo no fim do dia e diz:- Sai pra la tribufu!Extra! Extra! Menina adolescente é proibida de andar de minissaia. E proibida de conhecer "qualquer um" na rua. Toda a vizinhança comenta:- Vai que um motoqueiro qualquer leva essa menina pro mato?! Aí, bao-bao. Que situação a da mulher. A dona quer ganhar uns tapinhas na bunda na hora do tesão, não na cara por pura humilhação. Um milênio na historia da humanidade não parece tanto tempo assim. Mulheres votam a quanto tempo? As mulheres tem o direito de não lavar e passar e cozinhar e cuidar dos filhos e trabalhar fora e trepar sem vontade e e e e.....Isso a quanto tempo mesmo? A mulher quer ser mulher. Ser humano com os mesmos direitos e deveres que a vida pode reservar a espécie humana. Homo Sapiens não tem um só sexo!

Maravilhas do Zen Budismo "De quem é o presente?"


As montanhas . Arte em preto e branco Sumiê é uma técnica de pintura que retrata a forma e a essência dos objetos .


-ONDE VOCÊ ESTÁ?
-Aqui.-
QUE HORAS SÃO?
-Agora.
-QUEM É VOCÊ?
-Esse momento!
Siddartha

Importante:Para beber vinho numa chávena cheia de chá é necessário, primeiro deitar fora o chá para depois beber o vinho.

De Quem é o Presente?
Perto de Tóquio vivia um grande samurai idoso que agora se dedicava a ensinar o zen aos jovens. Apesar de sua idade, corria a lenda de que ainda era capaz de derrotar qualquer adversário. Certa tarde, um guerreiro conhecido por sua total falta de escrúpulos apareceu por ali. Era famoso por utilizar a técnica da provocação: esperava que seu adversário fizesse o primeiro movimento e, dotado de uma inteligência privilegiada para reparar os erros cometidos, contra-atacava com velocidade fulminante. O jovem e impaciente guerreiro jamais havia perdido uma luta. Conhecendo a reputação do samurai, estava ali para derrotá-lo, e aumentar sua fama. Todos os estudantes se manifestaram contra a ideia, mas o velho aceitou o desafio. Foram todos para a praça da cidade, e o jovem começou a insultar o velho mestre. Chutou algumas pedras em sua direcção, cuspiu em seu rosto, gritou todos os insultos conhecidos, ofendendo inclusive seus ancestrais. Durante horas fez tudo para provocá-lo, mas o velho permaneceu impassível. No final da tarde, sentindo-se já exausto e humilhado, o impetuoso guerreiro retirou-se. Desapontados pelo fato de que o mestre aceitar tantos insultos e provocações, os alunos perguntaram: - Como o senhor pode suportar tanta indignidade? Por que não usou sua espada, mesmo sabendo que podia perder a luta, ao invés de mostrar-se covarde diante de todos nós? - Se alguém chega até você com um presente, e você não o aceita, a quem pertence o presente?- A quem tentou entregá-lo - respondeu um dos discípulos. - O mesmo vale para a inveja, a raiva, e os insultos - disse o mestre - Quando não são aceitos, continuam pertencendo a quem os carregava consigo. A sua paz interior, depende exclusivamente de você. As pessoas não podem lhe tirar a calma, só se você permitir...

Do pessoal ao coletivo


El Guernica Pablo Picasso

O que torna coletivo um fato pessoal?
Quando a estória passa a ser de quem ouve e não só de quem conta?
Há estórias pessoais que muitos já passaram por ela, cada um na sua particularidade. O primeiro dia de aula na vida de uma criança, por exemplo.
São tantas as estórias que se repetem: violência sexual, amor, abandono, angústia existencial. Cada indivíduo é particular com sua estória , entretanto a beleza esta em vê-la refletida em um coletivo. Queremos ver nossa essência projetada no que vemos. Ao menos, queremos nos ver de algum modo na obra de arte. Claro, que pode e deve não ser óbvio. Passear no jardim de Rodin me trouxe a essência única do artista e de como ele via o mundo em um beijo esculpido, em um inferno ou um pensador no meio da grama.
Como transformar em belo o que vem de dentro, o dia-a-dia, o feio? Qual é a metamorfose da inquietação? Como ver a beleza do quadro "Três de maio de 1808" de Goya ou da "Guernica" pintada por Picasso?
O que o feio tem de belo? Que beleza viver intensamente a sequência de fatos que nunca são ao acaso. Deixar a obra de arte falar: ouvi-la.
Quando os fatos diários passam desapercebidos podemos notar que agimos como se falássemos sem ouvir. Um usuário da saúde mental me disse um dia: “ eu não entendo, eu falo e ouço o que você fala, mas eu não entendo.”
Quando não conseguimos nos comunicar com o que ouvimos, vemos, tocamos nos alienamos. Queremos e necessitamos de comunicação ainda que dentro de nossa solidão.
O ser humano é um ser social. Ainda que estejamos fragmentados pela arrogância, pelo desrespeito, pela falta de amor não será possível ser forever alone. Aprendemos na relação com o outro e o mundo. Tudo está em relação á: somos resultantes das equações de símbolos diversos que dialogam entre si.

Disciplinando nossos hábitos





Amanhecer na luz do quase pode ajudar a entender o problema da verdade absoluta. Certo não há, mas errar sem escolher, nada acertar ou não aprender com o próprio erro não deveria ocorrer. Como diria o ditado popular: "Errar é humano, mas persistir no erro é burrice."Ainda estamos esmagados na caverna sem ver a luz vivemos de sombras. O simples que não está entendido fica difícil de assimilar.
Que simples se nós pudéssemos fazer uso do que temos e ser quem somos em essência. Que simples se pudéssemos! Mas, ao contrário usamos máscaras escondendo quem somos e compramos mais e mais e não usamos. Quem não tem aquela coisinha bonitinha que nunca saiu da gaveta ou aquele livro que nunca passou da página cinco? Tem coisas que até esquecemos que temos. Entretanto felizes estamos, pois afinal “temos”. Ter é o êxtase do mundo contemporâneo. Queremos ter um namorado, uma esposa, um carro, uma casa, um filho. Todos proprietários. Donos de que? De quem? Quem somos não importa? Ser um ser social supera ter em todos os âmbitos.
Na ânsia de consumo não podemos estabilizar uma relação amorosa única, afinal há tanta oferta no mercado. Tão pouco podemos ler um único livro por vez, temos que entender de tantos assuntos superficialmente que só temos tempo para o superficial e para a nossa “especialidade” .
Que mundo é esse em que não se sabe saborear a comida e só engoli-la é possível? Engolimos comida como engolimos informações, idéias e ideologias. O que faz do homem um ser tão individualista e tão normal que o raciocínio coletivo possa ser excluído das necessidades básicas do ser humano? A humanidade paga pela sua própria ignorância. Uma massa ignorante é perigosa. Qual é a responsabilidade de cada um nesse bolo chamado mundo?
Filhos são para o mundo, os cachorros também. Ainda que cuidemos de nossos filhos, de nossa família, de nossos amigos e amores não os possuímos. Amores bons, por exemplo, são aqueles que ficam pra sempre por livre e espontânea necessidade. Ações fundamentais são aquelas internalizadas que estão arraigadas em nossas víceras. A repetição não-mecânica de ações que praticamos no dia a dia forma nossos hábitos.
A prática de nossos hábitos forma nossa personalidade. Que tal começarmos colocar em prática a virtude? Tarefas práticas possíveis e imagináveis:
Reciclar o lixo
Costurar uma roupa ao invés de comprar outra
Fazer reunião entre amigos ao invés de só ir em baladas
Comprar só aquilo que consome e necessita
Procurar não deixar comida no prato
Não ser levado pela impulsividade excessiva
Procurar ser antes de ter
Amar quem está ao nosso lado no dia-a-dia
Cativar amigos
Abraçar o que sofre
Dar uma moeda, um café , o que for possível se outro está necessitado
Concentrar-se em todos pequenos momentos
Lutar pelos direitos humanos
...
A lista seria imensa e poderia ser preenchida por cada um que a lesse. Importante: a lista tem que ter ética humanista e solidariedade implícitas em cada um de seus itens.
Esta lista deve ser feita de hábitos que temos ou almejamos. Só os bons hábitos mostram uma pessoa virtuosa. Um ato isolado não mostra quem está a nossa frente. Uma só ação não faz revolução. Todavia é um começo. Que tal começar sua lista hoje mesmo?

domingo, 12 de julho de 2009

A exposicao de Sophie Calle: “cuide de voce”


"Cuide de você é um exemplo expandido e grandioso de como se sobrepõe, no trabalho de Sophie Calle, a experiência comum da vulnerabilidade humana e uma proposição estética de traços únicos. Aqui há um universo de discursos femininos, filtrados por óticas profissionais específicas- ora em análises extenuantes, ora em interpretações artísticas livres-, que somam para esgotar, até a última minúcia, os significados por trás das palavras que compõe uma carta de rompimento. A sustentar tudo, há a dor universalmente identificaável de uma perda amorosa.” Danilo santos miranda


"Recebi uma carta de rompimento
E não soube respondê-la.
Era como se ela nao me fosse destinada.
Ela terminava com as seguintes palavras: “cuide de você”.
Levei essa recomendacao ao pé da letra.
Convidei 107 mulheres, escolhidas de acordo com a profissão,
Para interpretar a carta do ponto de vista profissional.
Analisá –la, comentá-la, dançá-la, cantá-la. Egotá –la
Entende –la no meu lugar. Responder por mim.
Era uma maneira de ganhar tempo antes de romper.
Uma maneira de cuidar de mim” Sophie Calle

A exposição de Sophie Calle, “cuide de você”, está no sesc pompéia até o dia 7 de setembro. A polêmica artista transforma em arte suas dores pessoais. Faz arte com maestria e uma sofisticada elaboração conceitual trancendendo a experiência pessoal e tocando o espectador que aprecia sua obra.
Quem nunca sentiu dor de amor? Há uma identificação, em geral, dos visitantes com a obra. A pessoas transitam pela exposição com um caderno de cartas nas mãos, vêem fotos, vídeos; transformacões, representacoes e interpretacões de uma carta de rompimento amoroso enviada por email.
Muito divertida a terapeuta familiar interpretando a carta: ela que propõe uma conversa com Sophie, uma cadeira vazia com uma carta "sentada"representando o ausente e a terapeuta. Fantástico como todos podemos nos apropriar de um fato específico e sentimental de modo que este vire algo coletivo e nos identifiquemos com o fato: uma criminalista, uma professora de primário, uma escritora, uma juíza, uma diplomata, uma advogada, (etc...) lêem a mesma carta.
Uma das respostas veio em forma de ficção, muito interessante, a escritora de estórias infantis cria uma metáfora do homem com o diabo que o acompanha em forma de ganso. Ele quer que a rainha se apaixone por ele a todo custo. Pede que o diabo realize a façanha. Este gosta da brincadeira e faz com que a rainha se apaixone pelo rapaz. Mas, ao ver a rainha apaixonada o rapaz não se contenta e acha que pode ser abandonado: precisa de uma prova de amor, e pede o braço direito da rainha. A rainha que o ama muito arranca seu braco direito. Ao ver tamanha coragem ele ainda não se dá por satisfeito, continua desconfiando do amor da donzela, e pede que ela arranque o olho. A rainha apaixonada obedece. Ao ver a rainha multilada o rapaz volta a sã consciência. Vê a mulher multilada e não a quer mais. A mulher explica que foi ele quem pediu isso em prova de seu amor. Ele diz que prefere voltar a ficar com suas outras “amigas” e abandona a fiel rainha. A rainha fica muito triste e deprimida. Então, o diabo aparece para ela e devolve seu braço e olho. Ela organiza um grupo de mulheres e todas marcham para a casa do fulano e essas multilam o rapaz. Bem, está é uma síntese da síntese. Muito melhor a estória completa.
A imagem assim como as palavras podem ser polissêmicas. Um cristal de varios lados é cada ser humano. Uma surpreza cada resposta, cada análise específica. Como cada um vê e interpreta o mundo? E uma carta? o que há de coletivo na estória do um?
A beleza da diversidade fica exposta no trabalho da artista. A estoria tem poder social, apartir do momento que eh dividida com outros e estes leem, interpretam a estoria.
Para terminar, vou citar a resposta da adolescente: ele se acha!
Vale conferir.

domingo, 5 de julho de 2009

Monólogo de Ana



dangerous liasons - magritte
"E é inútil procurar encurtar o caminho e querer começar, já sabendo que a voz diz pouco, ja começando por ser despessoal. Pois existe a trajetória, e a trajetória não é apenas um modo de ir. A trajetória somos nós mesmos. Em matéria de viver, nunca se pode chegar antes. A via crucis não é um descaminho, é a passagem única, não se chega senão atrás dela e com ela. A insitência eh o nosso esforco , a desistencia eh o premio. A este so se chega quando se experimentou o poder de construir, e, apesar do gosto de poder, prefere-se a desistência. A desistência tem que ser uma escolha. Desistir é a escolha mais sagrada de uma vida. Desistir é o verdadeiro instante humano. E é só esta a glória própria de minha condição.
A desitência é uma revelacao” clarice lispector
Ana está saindo da porta de um cinema, noite de tempestade. Ana está sozinha e toda molhada á meia luz na avenida paulista. A iluminação é expressionista, bem como as cores de tudo que está em cena. Existe um ar de realidade no ato fantastico da personagem. Ela está de olhos fechados na chuva. Foco em Ana .
Eu tô no escuro do impulso. Eu...tô perdida. Eu tô deslizando pra onde? Tem mais alguém aqui? Espera. Espera eu tô ouvindo. Tem uma voz me chamando pra dentro de mim: tem uma voz me chamando! (Ana pergunta ao público) Voce consegue ouvir? Que merda! Tem uma noite caindo, um sol se pondo, dentro do meu peito. (Ana tira uma foto da bolsa. Era choro nostalgico.) Por que erramos? Por que essa maldita sensação de rejeição? Por que a boca que eu mais quero nunca me beija? Tem alguma mão aqui esta noite que sabe fazer carinho? Quero dizer carinho vindo d' alma? (Ana sente dor no estômago) Tem uma fala que eu ouvi essa noite que tá me dando enjôo. Que merda! Tem gente que fala e que sufoca a gente! Eu quero sair daqui! Quero sair daqui, porra! Por favor ...Me ajuda. Por favor... Eu eu tô presa, no âmago das mentiras que eu invento. Que mentira é essa de amar quem não me ama? Que merda é essa de projetar o meu sonho no outro? Meu D ’us, porque a gente acredita que o sonho pode ser verdade? Á merda com a ilusão ! Eu não vou viver numa realidade de plástico. Ah! Isso não mesmo. Será que tudo isso é... Será que isso é...O que eu tô sentindo é amor? Ou eu nunca senti mais nada depois do Prozac? Será que eu só me enganei esse tempo todo? Será que eu tô delirando? Que merda de lógica tem o delírio? Será que a alucinação é verdade quando a gente acredita nela? (pausa) Perdi a entrada do cinema. Mas, qual é o problema se a sessão já acabou pra mim? (faz a personagem do atendente do cinema): Não tem mais lugares remanescentes, minha senhora. Não adianta chorar. Se quiser vai ter que ficar de fora do assento. Fora do circulo, fora do ar. Fora minha senhora, fora daqui! (Ana volta a si pensativa) Fora daqui? Ei, como eu volto pra mim? Eu quero voltar pra mim! Fora de mim tô na porta do cinema, tô abandonada. Será que de tanto amar aquele ausente eu me perdi? Ai que merda de dor! Tô sentindo uma dor aguda no peito, uma dor de ser. (Ana parece que vai ter um ataque cardíaco) Logo eu que acreditei na saúde, quero dizer na saudade. Logo eu que ja senti meu peito despedaçar em migalhas tantas vezes. (Ana se desespera) Preciso sair desse lugar. Preciso cair fora desse lugar, eu tô sufocada. (Ana não sai do lugar). Ir pra dentro de mim. Eu preciso ir pra dentro de mim!!!!! (ela chora). Eu acreditei tanto. Eu tinha certeza que o intervalo amoroso não era o fim, que era só mais um ato de amor. Só mais um ato que vinha depois do ato passado. Engano. Era fim da sessão. Fim do inteiro engano dessa merda de sentimento verdadeiro. Ah, como eu sou panaca! Ridícula mesmo. (se estapeia) Essa sou eu, amando na porta fechada do cinema. Alguém viu a chave? Cadê a chave? Que fechadura é essa que não abre pra eu passar? (pausa). Essa noite vai ter uma enchente feita de suor que vai inundar a cidade. (Silêncio). Essa noite tem um silêncio profundo. Eu não quero acordar. Mas, eu tô morrendo afogada no meio dessa avenida. Meu ouvido tá molhado, eu não me, te, escuto, não escuto mais, merda! (pausa. Ana revira a bolsa e tira um papel e uma caneta. Rapidamente escreve algo. Um "A- D e u s" é visto pelo público no papel que ela deixa preso no poste da avendida . Ela se move pela primeira vez por inteiro.) Ana fala repetidamente e abaixando a voz diminui até desaparecer, a imagem de Ana vai saindo de foco como se pudesse desaparecer aos olhos nus dos espectadores): Morri de indigestão, eu morri com fome, morri de excesso de água nos olhos. Essa noite eu desisti, chorei, morri. Eu amei e fui toda metamorfose. Essa noite eu me entreguei na revelação do ato de desistir. Essa noite morri. Essa noite desisti.

Uma estoria de amor


Edvard Munch- Puberty
" Ve meu amor, ve como por medo ja estou organizando, ve como ainda nao consigo mexer nesses elementos primarios do laboratorio sem logo querer organizar a esperanca. Eh que por enquanto a metamorfose de mim em mim mesma nao faz nenhum sentido. Eh uma metamorfose em que perco tudo o que eu tinha, e o que eu tinha era eu- so tenho o que sou. E agora o que sou? Sou: estar de pe diante de um susto. Sou: o que vi. Nao entendo e tenho medo de entender, o material do mundo me assusta, com seus planetas e baratas.
Eu, que antes vivera de palavras de caridade ou orgulho ou de qulquer coisa. Mas que o abismo entre a palavra e o que ela tentava, que o abismo entre a palavra amor e o amor nao tem sequer sentido humano- porque- porque o amor eh materia viva. Amor eh materia viva?
O que foi que me sucedeu ontem? e agora? Estou confusa, atravessei desertos e desertos, mas fiquei presa sob algum detalhe? como debaixo de uma rocha.
Nao, espera, espera: com alivio tenho que lembrar que desde ontem ja sai daquele quarto, eu ja sai, estou livre! e ainda tenho chance de recuperacao. Se eu quiser.
Mas quero?
Clarisse Lispector - trecho "A paixao segundo G.H."


Magnólia era menina bondosa vinda de uma família do interior. Ela estava na cidade grande há muito tempo, logo já era quase uma pomba urbana. Não se acostumava com a superficialidade da multidão enlouquecida da metrópole: pessoas que bebem demais, que comem demais, que trepam demais, que fazem muito de tudo e sempre rapido. Ela queria o seu vazio interno. Entretanto, algo intrigante ocorria: não conseguia a não ação. Quero dizer, não a conseguia ao lado do João.
João era homem nascido na cidade grande. Estudioso, vivia de sua vida acadêmica. Tinha um complexo de Don Juan. Mas, achava-se curado. Henry Miller ele seria, só se fosse na vida passada. Agora ele queria ser João marido de alguma Maria. Magnólia achou-se Maria. E ainda foi mais longe: achou-se a Maria de João. Planejou tudo : o casamento na igreja, os filhos , os livros que escreveriam juntos, o fim da vida olhando o bucólico verde dos campos. Criou um futuro, descompassadamente, ao ver um espírito que achava semelhante ao seu. Narcisismo? O fato é que Magnólia acabou por amar Joao. Ele flertou a estudante interiorana por pouco tempo. Logo enjoou-se, negando a garota. Era assim com todas as garotas que se envolvia. Na verdade nunca se envolvia, só sabia viver de ficção. Mas, Magnolia terminou a faculdade e continuava a amar o professor. Ela acreditava que ele a via e a desejava. Ele saia com pretas, brancas, flertava mulatas, comia amarelas. Ela não deixava de amar João e só sofrimento pausava em suas pupilas. Mas, ao ver João tudo se tornava alegria. Amava e amava.
Será que o amor era doença de Magnólia? Cheia de vida e criatividade fazia uso do Prozac para não ter intensidade demais. Aumentava a dose e aumentava e nada de parar de chorar. Dor profunda de alma nao se cura com remédio. Terapia não adianta nada antes de seis meses. Entretanto, a ingênua Magnólia poderia jurar que estava curada pelo amor que sentia pelo João. Um amor sem fim e sem começo. A garota amava com uma intensidade que só funcionaria no teatro ou no cinema. Na vida intensidade demais atrapalha, como todos já deveriam saber.
Tempos se passaram e a menina ainda conservava o amor pelo homem que não chegava. Aliás, Joao estivera ali por inteiro em algum momento? Era uma especie de ritual que ela vivia diariamente: ela sentava-se na praça e trazia consigo uma marmita quente e saborosa. E esperava João sentada no banco público em frente a sua casa: um dia veria o seu amado e o alimentaria.
Ele nao veio ou ela não o viu. Outros frequentadores da praça vieram com fome da marmita, do amor de Magnólia. Ela preferia jogar a comida para as pombas que entregá-la a outro! A menina era de uma fidelidade canina.
Depois de tanta terapia e profundo aprendizado, descobriu que não era o João que importava. O que estava acontecendo era uma projeção. Isso mesmo! Joao era tudo o que ela aprendera que era bom. Principalmente pelo fator de nÃo ama-la. Será?
Negada, dia apos dia, ela se fortalecia. Já não chorava e até sorria. Não esperava João. Algo interior com imagem de pra sempre, comecava a ser mudado dentro de Magnólia. Argila interna moldada pelos dias era a pessoa da rapariga no presente momento da estória. Todavia algo se prolongava e se repetia: na praca como cadela vira lata, tremendo de amor, esperava seu dono: JoÃo.
Um certo dia João aparece. No meio de tantos Josés que ela reconhecia, só João brilhava . Era ele. Ela tremia com frio interno. Tinha um êxtase e uma dor no peito aguda. Uma ansiedade vinda da paciência de esperá-lo por tanto tempo. Mas, não tinha ela dito a si mesma que nào esperava mais João? Uma contradicao inexplicável. Esse dia, ela estava na praça sem marmita, sem nada. E ele apareceu, olhou para a garota e disse: oi. Era o melhor e o pior dos dias da vida de Magnólia. Eles conversaram e tudo estava bem. Até o momento da despedida. Ela nào queria dar adeus a Joào. Denovo nào! Queria agarrá-lo e segurá-lo pra sempre. Mal sabia a garota que nada é pra sempre. Em uma tentativa desesperada pede um beijo ao rapaz. Ele recusa um beijo seu. Era tudo tao fantástico, que Magnólia nao conseguia nem ficar centrada em suas pernas. Parecia que havia saboreado um docinho licérgico. Tudo ganhava dimensÕes diferentes e ela chorava por dentro. Chorava por: toda a espera, toda a projeção, toda a carência, toda a astúcia, toda a dedicação, todo o carinho, toda a fé, todo o amor. Ela tinha caído no engano da impulsividade pedindo um beijo. Se identificava com o amor por João tanto e tão profundamente que não conseguia mais observar a si mesma e nem o outro era possível ver . Ridícula e caída em suas desilusões Magnólia estava congelada no frio da ausência da boca do amado. Ele iria embora. E ela pensava: eu te amo, te amo, te amo. Mas, esse eu te amo não saiu da garganta de Magnolia. Não dessa ultima vez.
Essa merda de remédio não faz efeito ?- pensava Magnólia perdida em sua avalanche de emoções. Ela não sabia se chorava, se ria, se gritava, se ouvia ou se falava. O que precisava Magnólia era ficar parada. Ela sabia viver na não ação, mas nÃo perto de JoÃo. Com ele era pernas pelas mÃos. Era paixÃo nÃo descártavel. Era amor incurável. Magnólia menina tão crescida, quando via JoÃo, era menina de cinco anos de idade . Tudo bem infantil , ingênuo sentimento sem proporçÕes. JoÃo silencioso olhava assustado o show amoroso de Magnólia. Ele pensava em outras coisas, em muitas coisas que nada tinham com Magnólia. Aliás, ele nem iria na praça pública aquele sábado, foi só um acaso. Ele só pensava em ir embora.
Ela se aproximou de JoÃo e sem ouvi-lo beijou sua boca que a rejeitava. Sentiu o cheiro da realidade e dopada de verdade foi afastada pelas mãos de João. O amor era incurável, mas a vida continuava. Era preciso saber que não tem explicação essas coisas de coração. João se foi decepcionado e ate um pouco irritado pela invasão amorosa de Magnólia. E ela ficou parada no banco público, estagnada em intervalo amoroso. Chorou como nunca, tirou uma parte de seu coração e enterrou embaixo da árvore em frente ao banco . Enterrou um sangue vermelho dentro da terra marrom e lá tempos depois brotou uma flor. O amor de Magnólia por João transcendeu no universo: de sangue a flor. Magnólia operou a si mesma . Doeu muito por dentro, todavia o amor deu bom cheiro e beleza a praça pública, em frente a casa de JoÃo. Se pudessemos perguntariamos a Proust: o amor nÃo é operavel de fato?
Magnólia, desde entÃo, mudou-se e nunca mais viu Joào. Esse envelheceu solitário e passou a frequentar o banco na praça que Magnólia ficava. JoÃo gostava do cheiro de “dama da noite . Passou a conversar com a flor ate os seus dias de morte. NÃo se sabe o que JoÃo dizia a “dama da noite”, nem tampouco sabemos o fim de Magnolia.