terça-feira, 24 de fevereiro de 2009

Life's director


E se não formos diretores o tempo todo? Consideremos que o filme de nossas vidas tem outros personagens que não só nós. Claro que somos os protagonistas de nossas estórias! Mas, imagine se todos os antagonistas tivessem vontade própria. Não podemos controlar a fala, os desejos e atitudes do outro. Que prazer o misterioso viver a realidade. Agoras são como dunas se moldando com o vento . Tem que ter coragem para não esperar ou ter expectativas.
E se nao formos diretores o tempo todo? O outro é o mistério. Seres humanos não são marionetes. Que descoberta! Cada um é uno e tem vida própria. Tudo pode se esperar do outro. A surpresa é a palavra que vem de boca alheia sem nossa projeção doentia. Para isso coragem. Pode ser o amor. Pode ser frustação. Importante estarmos abertos de corpo e alma para o divino, bem como para a realidade de viver o presente que não se repete.

segunda-feira, 23 de fevereiro de 2009

Michael Moore

O documentarista Michael Moore sempre aponta sua camera para os problemas sociais que atingem os EUA. "SOS Saude" eh um desses filmes documentais imperdiveis. Michael Moore, atraves do relato de usuarios do sistema de saude e da comparacao do sistema de saude americano com o de outros paises humaniza e desvenda um tema tao polemico:saude publica. Ele genialmente percorre o tema, lambe imagens do dia-a-dia e questiona a [posibilidade de transformacao. E no Brasil? Bem, estamos com serissimos problemas, mas sem duvida o sistema de saude publica eh muito melhor que o dos americanos .
Michael vai a Cuba e a Franca. “Como os americanos nao suportam os cubanos? Porque odeiam os franceses?”
Alguns americanos vao ser tratados no sistema publico de saude de Cuba. Todos sao pessoas doentes que sofreram problemas por causa do acidente de 11/09. Eh de chorar. Uma paciente pergunta sobre a bombinha de asma na farmacia cubana: “ Voce disse 5 cents?Como assim ,custa so isso?"Ela chora.
Os usuarios de saude do sistema americano nao estao acostumados a serem bem tratados , isso eh um triste fato.Muitos morrem por que o seguro nao aprova a conta do tratamento. Eh de chorar ver uma esposa que perdeu o marido com cancer de prostata por ter sido negado um tratamento adequado. A seguradora de saude perderia meio milhao de dolares, mas a mulher perdeu seu melhor amigo, seu marido. Isso tem preco?
Na Franca , Michael faz um encontro com americanos que moram em Paris. Eh intrigante como eles tem direitos de cidadao, pontua Moore. As imagens nos sucitam indignacao. O medico frances diz: “Como em um pais que tem encanador que atende ao publico 24 horas nao vai ter medico 24 horas? Nao tem sentido, completa o doutor.” O filme de Moore na Franca acompanha um medico que vai a casa dos pacientes durante a noite. Se voce precisa , la esta o medico, na sua casa. Ainda tem os direitos para as jovens maes que o estado frances proporciona. Entre os direitos que o estado proporciona esta o direito de uma pessoa ir uma vez por semana em suas casa para ajudar no que for preciso . No que for preciso! Desse modo, a jovem mae, tem um tempo de qualidade para ela. Um dia por semana, essa pessoa que o estado paga, faz por quatro horas o que for pedido pela jovem mae: lavar roupas, cuidar do bebe, limpar a casa, fazer jantar... Impressionante.
Moore questiona seu publico, principalmente os americanos: Sera por os Franceses fazem tao bem as coisas que o estado americano crias seus filhos sem gostar dos Franceses? Sera por medo que eles gostem muito e mais de como os franceses vivem criam o preconceito? Se o pais eh capitalista e dito democratico, porque nao aprende com os outros paises? Porque nao aprender com Cuba? Um sistema de politica publica muito mais humanitario nao poderia ser a chave do desenvolvimento mundial? Simples para Moore: se eles fazem o melhor vinho a gente bebe, se alguem faz o melhor carro a gente usa, logo se existem pessoas que tem um melhor jeito de cuidar das criancas, das mulheres gravidas, dos doentes, porque nao aprendemos com eles?Infelizmente, a gente vive em um mundo de eu e nao do nos . Why I and no We? Atentem: nosso exemplo de pais bem sucedido , a super potencia Americana eh o unico Pais do mundo que nao tem sistema de saude gratuito. Segundo Michael Moore, quando os americanos aprenderem com os outros paises, a superpotencia decadente vai ser diferente. Nao estaria faltando humildade para aprender e solidariedade para com o cidadao? Parece que os Estados Unidos estao bem longe desse aprendizado. Ainda eh um pais que nao se lembra que o “sonho americano” pode ser sinonimo de ser saudavel e feliz. Deixo aqui minha saudacao a Michael Moore e sua camera repleta de indignacao. Sou fa desse documentarista.

domingo, 22 de fevereiro de 2009

Maria Eugênia e o Gato Preto


Maria Eugênia achou um gato na rua. Preto, bem peludo e de olhos dourados. "Que lindo!", a menina pensou. Logo, isso significava: "Ele é meu!"
A menina pensava e pensava como podia um gato tão lindo ser abandonado nas ruas daquela forma. Ela levou o bichano para sua casa. Penteou, deu remédio, cuidou das feridas. Mas... trancou as portas e as janelas. Afinal, o bichano era tao lindo que alguém poderia pegá-lo. Que medo de perder seu gato! Pobre menina, não sabia que o gato não era seu.
Claro, sempre tem o dia que andamos distraídos, e em um desses dias Maria Eugênia deixou uma fresta da janela aberta. Adivinhem? Quando voltou da escola o gato não estava.
Que desepero o de Maria Eugênia! Ela andou todo o bairro. Se culpou um pouco. Achou que ele voltaria a noite. Mas, o gato não voltou. No outro dia a menina estava doente e não podia sair da cama. Qual a doença? Ausência de “seu “ gato. Triste a menina ficou . Pensou: meu gato morreu.
Fez o luto e o velório do bichano, mesmo sem o corpo. Depois do enterro, surpresa: o gato estava na porta da cozinha. Sorrateiro, gingando mansamente e vindo para o meio das pernas de Eugênia.
A menina sorriu. Deleitou-se com a presença do gato. Um verdadeiro milagre. Ah ! Mas?! O quê? Um minuto. Esperem. Perigo. Perigo. E as luzes começam a piscar no cérebro da menina medrosa. O “meu” gato pode fugir denovo, pensou alto. Terror. Pânico. Ação. Fechar todas as janelas e portas. Vinha o caso de ser verão naquele dia e os vidros transpiravam . O gato chorava um miado infinito. Maria Eugênia se recusava a escutar, até que se sentiu sufocada, sem ar. Precisava abrir as janelas e as portas da casa. E o gato miava um som dolorido de prisioneiro. Ela tambem chorou um pouco, mas não havia alternativa, ou abria alguma veneziana ou morria. Então, o gato sumiu como um raio disparando sua corrida para bem longe de Maria Eugênia. A menina chorou forte. Entretanto, pensou: "Não gosto de janelas e portas fechadas. E como viver sem respirar? Que culpa tenho eu de abrir as janelas e ele sumir? Que fique quem tiver que ficar. "
Com o vento lambendo seu rosto dormiu nostálgica. Quando acordou, quem estava lá? Ninguém mais, ninguém menos que o gato preto. Ali, deitado ao seu lado, silencioso descansando seus olhos dourados. A partir desse dia Maria Eugênia nunca mais trancou as portas e janelas. E o gato, todos os dias, dorme próximo aos seus pés.

Burca no verao

Me preocupo com o re-significado das coisas. Olhar mais uma vez , de um outro angulo. Palavras com seus resignificados pousam no meu dicionario.
Nasci com os olhos chorando de amor. Penso e vivo e me preparo para a maior das tarefas humanas: amar.

Hoje um desejo de ser ostra e so deixar meus olhos passearem pelas ruas . As pessoas me embriagam. Que fazer com este estado de estar o tempo todo vendo as cores das coisas?
Ir a padaria , ao mercado, fazer coisas cotidianas como colocar o lixo na rua, comprar papel higienico e o paozinho da manha. Ai! Temos que sair as ruas. Coisas cotidianas sao para todos os dias, ainda que variem de nomes e atividades. Pudera, cansar-nos-ia caso as coisas tivessem todas os mesmos nomes.
O fato eh que o sol estava forte e os paralelepipedos nas ruas brilhavam intensamente. Coloquei uma camiseta hering e um shorts longo,que os adolescentes chamariam de “roots” , um abrasileirado “rutes”. Achei bem discreta a vestimenta (sabe as vezes tenho vontade de ser invisivel). Mas, pessoas me olhavam, incansavelmente. E se eu te disser que peitos e bunda atrapalham? Sera que eles realmente acreditam que me veem? Ai, como faltam olhos de verdade nas ruas!
Hoje re-entendi a burca (esse processo de re-entender eh o maximo). Senti desejo de burca, nao por obrigacao. Mas, por sentir uma extrema necessidade de misterio, de preservacao, de solidao, de privacidade.
Antes passar calor do que ser lambida por olhos intrometidos e cegos. Carissimos, tem bons dias que merecem ser respondidos e outros que nao.
Antes burca que machismo logo de manha.
Quero que meu homem (ele deve existir em alguma parte desse mundo de D’us), e que so “um”veja os encantos das curvas de meu corpo e de minha alma. So um homem para ver todos os poros e pelos do meu ser. Sou tao valiosa (so hoje eu sei), que so um homem podera me tocar a fundo.Um homem e so "um" para se acalentar nas profundeza das minhas cavidades. E um so para morrer dentro de mim todos os dias, renascendo mais homem a cada dia. Tenho tanto e quanto para meu futuro amor. So um homem, so um D’us, so "uma" mulher para esse “um”. Sagrada no dia desse encontro serei .Tudo para vc que ainda nao conheco.Tudo e quanto, ao saber um homem meu verdadeiro companheiro. Nada facil de achar o tal homem em um mundo com tantas confusas possibilidades. Ainda nao conheco alguem assim e isso me intriga. E para o resto dos olheiros?Para o mundo burca . Nao aceito mais ser violada nos meus principios. Onde comeca a minha privacidade acaba o direito de vcs passantes metropolitanos.

Aquecimento Global


Ontem vi um filme sobre aquecimento global. Um cara que faz palestras para conscientizar sobre o danos que o ser humano faz a terra era o protagonista. Ele diz que a terra vai acabar. Mostra cronologicamente o aumento do efeito estufa e maieuticamente coloca uma balanca com uma pilha de ouro de um lado e a terra do outro. E ai ? O que escolher ,dinheiro ou o mundo que vivemos? Dinheiro dizem metaforicamento os donos do poder. O dinheiro? Onde gastaremos todo esse ouro, se nao havera mais “onde”disperdica-lo? As grandes potencias estao se afundando em crises economicas e se fala na inflacao, no desemprego, etc . E como nao considerar que nossos bisnetos nao terao mundo para viver ou ate mesmo inflacionar? E agua para beber? Os rios estao secando, o ar cheio de monoxico de carbono, e o calor... Que calor. O calor mata. Talvez, estejamos criando o inferno aqui. Retrato da falta de espiritualidade dos donos da natureza, vulgarmente enitulados (pelos seus semelhantes) de Homo Sapiens. Yupi- Homo sapiens. Baby- boom. Moderno. Descolado. Carro bacana e namorada(o) de plastico. Ar condicionado para o verao e aquecedor eletrico para o inverno. Carro para comprar o pao de cada dia e umas empresas bem grandes que fumam mais de dois macos por dia. Quanta poluicao!
As prioridades dos seres humanos vao mata-los. Aos poucos. As chuvas, os furacoes, as erosoes... Quantas Katrinas enlouquecidas nao levaram as casas? Nao nos sentimos responsaveis? Nao eh problema nosso? Meu caro, o dinheiro mata. Ele eh moeda de troca, precisa ser gasto. Ele eh status social precisa ser exibido. Ele eh felicidade e precisa ser acumulado. Ah pobre mortais, meus companheiros, quanta cegueira etica nesse mundo!

Alguns pensamentos de sal na areia

E o bonde nao anda. Sempre havera algum esperar que nao sabe de futuro algum. Uma espera de presente onde nao se espera mais alguem e sim algo- Ah!o amor. Alias nao espero apenas sou fiel ao meu futuro amor.
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Quantas flores nos cabelos passeiam pelas praias. Por algum motivo tenho desejo de flor branca nos meus cachos pretos.
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O sol reluz o taxi amarelo que te leva ao infinito das praias, mas nao sobe ladeiras.
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Corpos lambidos de suor se exercitam, se exibem, se distorcem : se banalizam na orla fashion da praia.
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Verde e rosa eh meu coracao saltitante chorando ao som dos tamborins.
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Calcada de Copacabana
Praia de Ipanema
Casa na ladeira de Santa Tereza
Arcos na Lapa proximos ao nosso Teatro
Algum cheiro de xixi nas ruas do centro
Por do sol aplaudido todas as tardes no Arpoador.
Assim me banho de sol na cidade maravilhosa
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Sem lenco e nem vela chora a Madalena na porta da favela.
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As estatuas de militares com armas nas maos nao se mexem. Ainda bem.
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Que a rosa do jardim e da cor das paredes possam acalmar minha amada borboleta amarela.
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Subir ladeiras deixa as bonitas coxas bem duras. Nada eh tao facil o quanto parece.
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O pote de vitaminas que os rapazes formosos tomam sao muito maiores do que a massa cerebral que eles desejam desenvolver. Que pena.
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Um eu inteiro + um eu inteiro = um eu perfeito.
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Que eu nao possa dizer que meu verdadeiro amor foi o primeiro, mas que ele seja o ultimo e o sempre.

Hora do rush


Pessoas perdidas em um quilhao de imagens, conceitos, partidos, crencas... Mas facil assim, confusao. Clareza e sabedoria e felicidade ficam perdidas em um nebuloso calabouco repleto de portas. Qual delas abrir?As portas do metro se abrem e uma manada de pessoas apressadas despencam tristes e sonolentas. Tanto peso, tanta dor, tanto ter que fazer. Quase impossivel observar, olhar e parar para refletir sobre as atitudes. Afinal as atitudes vem como a manada que entra no transporte publico... O amor ja virou dependencia, a infelicidade culpa. Maturidade e vida saudavel se perdem no silicone do peito das meninas da revista.. Que corpo eh esse que carrega tanto bolor por dentro? As pessoas andam com cabrestros ainda que pensem que estejam enxergando tudo com duas patas...
Pessoas me olham no metro . Muitas...atraves do seu quadrado percebem meu olhar de aguia. Quero ir alem.

Nostalgia matinal


Magritte
" Na nossa vida cotidiana refletimos sobre o que queremos dizer, escolhemos a melhor maneira de dizê-lo e tentamos dar aos nossos comentários uma coerência lógica. Uma pessoa instruída evitará , por exemplo, o emprego de metáforas complicadas a fim de não tornar confuso seu ponto de vista. Mas os sonhos tem uma textura diferente. Neles se acumulam imagens que parecem contraditórias e ridículas, perde-se a noção do tempo, e as coisas mais banais se podem revestir de um aspecto fascinante e aterrador." Carl Jung

Sonhei com a velhice vestida de solidão. Casa antiga e professora de infância. Que faço eu na fila de saída do colégio? A freira-professora me reconheceu e nao hesitou: " Você ainda aí?" Eu tão obsoleta nesse momento com trinta e três anos envelhecidos, embolorados. Jogava minhas palavras para a freira:"Aí? Esta insinuando que estou fora do lugar?" Singela e rígida com óculos fundo de garrafa ela me abraçou e me levou ate o portão. Antigamente não era assim; não reparavam tanto em mim como nos sonhos. Na saída tinha uma árvore. Na árvore um par de olhos que passeavam solitários brotando do caule com cara de morte física. Olhos que me confidenciavam não ter mais com quem compartilhar o passado. O presente já havia sumido para os olhos eremitas, engolido pela monotonia de uma gigante boca feita de dias sonâmbulos. Todos já morreram e so restou um par de retinas. A nostalgia acordou salgada no travesseiro. Rir-se ia do descabimento de acordar chorando. Será possível entender que vi o olhar da velhice com desejo de partir? Flores, árvores e infinito. Olhos que caminhavam pelas nuvens se despedindo dos que ficam e procurando pelos que já foram. Que salgado este momento molhado de saudade. O vazio da existência apareceu no espelho quando acordei. A imagem dessa manhã, refletiu tão forte nos meus olhos que meus ouvidos emudeceram.

Ode as astutas linguas douradas

"Atenção ao dobrar uma esquina
Uma alegria, atenção menina
Você vem, quantos anos você tem?
Atenção, precisa ter olhos firmes
Pra este sol, para esta escuridão
AtençãoTudo é perigosoTudo é divino maravilhoso
Atenção para o refrão
É preciso estar atento e forte
Não temos tempo de temer a morte " musica de caetano veloso

A infelicidade nao tem tamanho. E a felicidade? Qual e a dimensão do que nao existe? E do etéreo? Sera a morte? E o amor eh o vazio?Perguntas procuram respostas. Buscam verdades que ainda se esquecem de acontecer.... Antes a mudança que a tragédia. As vezes a tragedia impulsionando a mudanca.Sufoco com panos na boca, ouvidos e maos. Através do pano escorre sangue do dente do siso. Vou arranca-lo, nao suporto o sintoma pós- ainda-adolescente. Porque tudo deve ser datado?Odio aos prazos de validade. Por que diabos devo pensar antes de dar um abraço? Vao para o inferno com suas receitas de bom comportamento! Vao para o inferno malditos julgadores! Condenam todos a culpa. Sentem-se os juízes enviados por Deus. Um turbilhão de pessoas carregando cruzes, tao ou mais pesadas que elas. Sem rosas nas maos ou nos cabelos. Com espinhos na cabeça caminha uma humanidade. Maldito falso pensamento manipulador de opiniões! Mulheres caminham atras de homens, choram e sao putas. Maldito machismo calhorda. Putos revolucionários levantam bandeira de progresso. Capitalistas cantando o hino cubano. Machos batem em mulheres. Distintivo no peito mata crianças. Todos absolvidos. Egoísmo astuto salta de barrigas cheias. Veneno saindo de línguas tao bonitas. Cobras venenosas soltem meu pescoço...Ar... Digo nao ,mas as palavras estao carregadas de lombrigas esfomeadas. Solta meu pescoço e se cala por um instante! Agonio. E se nao soltar?E se, derepente vc perceber um veneno caminhando pelos poros? O mal instalado. Muitos sangues contaminados . Durmam em paz serpentes de línguas douradas, que eu nao dormirei. Durmam em paz que cada vez mais aumentam as serpentes ao seu lado. Pelo menos ate o dia em que a insonia contamine a cidade...

sexta-feira, 20 de fevereiro de 2009

Atrasada ou adiantada demais?


“A eternidade esta apaixonada pela producao do tempo” William Blake
“O mito eh o sonho publico e o sonho publico o mito privado” Campbell

Um dia, Margarida marcou um encontro com um desconhecido; de voz suave; alguem que ela ouvia pelo mundo virtual. Ela preparada por uma imensa vontade e iludida com o mundo das palavras foi ao encontro de seu amado. Ainda nao sabia que so iria ao encontro de si mesma. E tudo comecou, simples assim, em um cruzamento da rua augusta . Ela pensava: sera que por medo de atrasar cheguei adiantada demais?
Seu virtual amado la nao estava. Tinha uma garoa paulistana, alguns carros e acidentes e pessoas que cruzavam a esquina sem cessar.
Margarida so pensava no papel e na caneta dentro da bolsa. Ela tinha uma bolsa cheia de apetrechos. Sempre pensava em economizar espaco e nao levar, livro, batom, celular, carteira, espelho, papel , caneta e , e , e .. Mas, sempre levava coisas e isso pesava em suas costas.Margarida ja nao suportava a espera na esquina de concreto. Ja se sentia uma estatua em exposicao para os transeuntes metropolitanos. Voltava -se em casulo para a bolsa e o papel. Ainda bem que carregava essas coisas na bolsa, pensava .Paginas em branco sao todas aquelas que ainda nao foram escritas, pensava a mulher ja aflita. As palavras que saiam de suas veias eram imagens editadas ao esperar Pedro , Davi, Joao, Jose, quem sabe seria Melissa sua salvacao? Ela esperava na esquina alguem, achava que era Pedro, mas ja nao havia a sorte da certeza. Margarida tentava se convencer: Nada espero! Nada.So quero,desejo um personagem real para entrar na minha estoria.Sera o Pedro? Sabe-se la o que estaria por vir . Margarida era so medo. Identificacao nao queria, ja nao sabia o que era o desejo sem fim. Sim? Nao? Sim ? Nao? Enfim... A noite entrava dentro da madrugada e ela ali parada esperando Pedro. Ou seria Jose? Ou quem sabe, Joao? Ai era Davi! Nao, nao, era Pedro mesmo. No entanto, so ela chegava a si mesma na esquina de concreto.
Margarida ja nao sabia porque veio ate o cafe Vienna. Quem seria o esperado? Por que esperava o tal ... Quem era mesmo? E se ela pegasse a sua sacola cheia de papeis e coisas e fosse embora? Mas, e se ele chegar? E se eu nao estiver aqui? Sera que por medo de me atrasar me perdi? Pensava e chorava, Margarida ,na esquina da Augusta perto de alguma avenida Paulistana...
Margarida dava goles de si mesma nos personagens que inventava. Tudo era arte? Maya? Ou sera que era alguem real mesmo que esperava? Pedro? Davi? Jose? Joao? Assim jogava suas palavras na boca de estrangeiros para ver se era algum deles.Quem? Ele? Sera que nao havia so um si mesma?
Margarida nao queria mais nada. Alias queria o nada. Amanha nao sabia,ontem se esqueceu e hoje quem saberia ? Estaria parada dentro de um aquario na era dos Peixes? Ou na Era de Aquario estaria em um filme dos anos 60? Margarida nao desistia. Mas , o tempo passava e Pedro nao vinha... Ai, ela orava, que o medo de atrasar nao me faca chegar adiantada...Assim, chorava baixinho a menina-mulher chamada Margarida. Suas lagrimas ja se misturavam a garoa e nao eram vistas por qualquer passante.
A madrugada escorria pelas ruas molhadas paulistanas. E Margarida ali, prostada, correndo parada em busca de alguma joia. Mas, nenhuma pedra preciosa chegou. Nada. Ela olhou para dentro de si e despetalou a Margarida que existia no seu peito. Ficou so os poros, so o polen. Ficou alguma vida sem espera. Sem Pedro, sem Jose, sem Joao, sem Davi... Ficou uma Margarida que saia da esquina e pensava :devo ter chegado antes ou tarde demais... Sera mesmo que havia algum combinado? Pedro seria ela mesma dentro de algum amontoado de lixo organico prostado no concreto das avenidas? Assim , Margarida com Margarida escorria pelas avenidas ate raiar o dia. Acabou-se a estoria e Pedro nao chegou. Nem Jose, Nem Maria, Nem Joao.Nem Melissa. Chegou so uma Margarida cheia de petalas escorridas pelos dias . Teria ela se adiantado ou atrasado demais?
20/02/09

quinta-feira, 12 de fevereiro de 2009

Inspirado em uma frase de Hilda Hilst




A mulher que voa / Chagall

Conversa subindo uma montanha

Ela: Nós subiremos toda essa colina enorme, tem certeza? Mas sem água? Sem colchonetes? Sem conforto? E além disso, nunca subi uma colina toda até o ápice antes.

Ele: Olha a colina eh alta. Pense bem. Quer subir? Vc esta preparada para andar na vertical?

Ela: Tenho medo. Não me deixe só! Por favor! Chego a suar calafrios em todos meus poros. Não vês? Estou morrendo aos poucos. Que medo do desconhecido! Mas meu anjo, eu quero. Quero subir a colina.

Ele: Coragem.

Ela: Não tens medo amado? Como tu se sentes?

Ele: Tranquilo.

Ela: Tranquilo? Como assim tranquilo? Como se eu sinto que meu peito vai e vem?

Ele: Cuide desses triângulos no seu umbigo. Vai ser difícil a subida. E solitária.

(Os dois sobem silenciosos, ela geme um pouco, de dor. Ele, quieto, respira pausadamente. Depois de um tempo ela se desespera e faz cena)

Ela (chorando): Como você não diz nada? Cade você? Você tá morto é? Fala alguma coisa !

(Tenta estapear Ele mas Ela nem tem forças para chegar perto dele)

Ela: Pode fazer o favor de abrir sua boca? Nem parece que você está aqui! Como você se sente agora? Fala. Fala. Fala.

(Silêncio total)

Ela: Por favor diz... Diz alguma coisa. Se eu pudesse te adivinhar! Mas, continuo morrendo nessa subida que não acaba mais. Fala como você se sente, por favor. Fala.

Ele: Tranquilo. Muito calmo. A subida querida, o ápice da colina , é como subir um pequeno degrau para o paraiso.

(Os dois silenciaram, ela chorou, esperniou, ficou solitária mesmo acompanhada daquele homem. Andaram e andaram, sozinhos, cada um com sua solidão. Após a nona sinfonia terminar e suas últimas notas chegarem ao ápice Ele olha para Ela e o no ápice da montanha olham os dois para o céu)

Ele: E então como se sente agora?

Ela: Sinto que ao chegar aqui em cima renasci, porque de tanto amar na subida eu já havia morrido.

Ele sorri. Se abraçam tranquilamente e vêm o por do sol.

Suor ao sonhar


Uma atriz em repouso noturno

"DO AMOROSO ESQUECIMENTO
Eu, agora - que desfecho!
Já nem penso mais em ti...
Mas será que nunca deixo

De lembrar que te esqueci?" Mario Quintana

Se eu fosse sonhar, que estivesse sonhando, sonharia que...
Ah! Sonharia amar um único grande amor. Vou além das molduras e enxergo atrás dos espelhos. Já não quero nada. Nada espero. Repousada sorrio tranquila e penso: se, talvez, seria, poderia ser, quem sabe, um dia. Talvez um dia, se eu pudesse fazer, faria de sonhar até de dia.
Quem sabe não sonharia suada? Sonharia que o meu homem lamberia o bico dos meus seios com uma doce intensidade de arrepiar a espinha e os pêlos. Sentiria sua boca quente engolindo minha pele aos poucos , como a mão aveludada que toca o recém nascido.
Abriria as pernas lentamente sentindo seus pelos beijando minha pele. Ele acordaria duro e macio na porta da minha alma. Eu choraria por baixo uma lágrima salgada. E sorrindo no peito soltaria meus braços e pernas e nadas. Deixaria meus impulsos vitais falarem antes e além de mim. Tremeria um pouco e os poros ficariam oriçados. Ele beijaria minha nuca, meu colo, minhas axilas. Beijaria entre meus dedos e sentiria o cheiro do meu âmago atrás do ponto mais agudo do meu eu. E eu estaria ali, parada, entregue respirando meu único homem. Um só homem por toda a minha vida, desde que fosse e seria, necessidade de alma e espírito. Tocaria com suavidade seu íntimo e pediria que ele morresse dentro de mim infinitamente. Sentiria meu homem inteiro, crescendo e crescendo de alegria e paz e desejo. E tudo se prolongaria nos nossos corpos em múltiplas posições dançadas pelo momento de espíritos entrelaçados. Os encaixes seriam perfeitos e os cheiros já se misturariam criando um novo perfume. Só um homem, marido, querido, desconhecido que eu encontraria fundo e dentro de mim pra sempre. Nosso odor seria magnífico. Sentiria nosso cheiro pelo resto dos meus dias, até o fim do mundo, meu corpo exalando seu cheiro. Um cheiro demorado na cama, na cozinha, nas montanhas. No mar os cabelos que se espalharariam como se as ondas fossem agitados travesseiros. E um calor suado de corpo quente junto ao meu. Minha nudez protegeria o amado notívago dos pesadelos. O abraco que daria teria o poder de acalentar todo seu ser. O calor do meu corpo daria a meu sweetyheart infinitos sonhos dourados. Entrelacaria minhas pernas nas suas e beijaria sua coxa com um vapor quente e umido. Ele se sentiria protegido e acalentado pelo meu útero, já materno. Suas mãos pousariam entre meus seios e as minhas nos seus cabelos.
Um amor sem palavras e com cheiros. Um toque com olhar interior. Noites em paraíso. Queria que esse sonho durasse pra sempre. Mas acordei....

O desejo e a baleia


“Deparou o Senhor um grande peixe, para que tragasse a Jonas; e esteve Jonas três dias e três noites no ventre do peixe” (Jn 1:17)

DE noite- deSEjando- serJOnas
Se eu pudesse desaparecer seria perfeito. Existe desejo de ser invisível em um local sem relógios e sem cifras. Sonho acordada com o paraíso do inconsciente. Dando vazão aos pensamentos ainda sem forma cresço, no caminho reto, em uma vida carnal cheia de curvas espirais.
Abra a boca, o estômago e o ventre para eu entrar. Abra para eu sair! Só renascendo continuarei a viver. Só morrendo vencerei vísceras de baleia. Por favor, me cuspa em alguma praia, porque já me sufoca esse interminável esôfago ao qual estou presa. Me cuspa em águas límpidas, assim, quem sabe eu aprenda a nadar fora de ti e cada vez mais dentro de mim. Baleia querida me vomita! Se eu pudesse ser agora! Mas, o parto sempre é uma dolorida e magnífica surpresa.
30/01/09

Era uma vez Amélia



Era uma vez Amelia, uma mulher de argila em busca de amor

“A nova pessoa que vem a mim.
A nova pessoa que vem a mim é vc?
Ouça um conselho para começar:
Eu sou com certeza bem diferente
Do que você imagina.
Você imagina encontrar em mim seu ideal?
Acha tao fácil assim eu me tornar seu amante?
Pensa que minha amizade é fonte de insatisfação e impureza?
Julga que eu seja fiel e digno de sua confiança?
Além dessa fachada, do meu jeito macio e tolerante,
Você não vê mais nada?
Acha que vem avançando
Em bases realmente firmes
Na direção de um homem realmente heróico?
Pela cabeça nunca lhe passou,
O sonhador,
Que tudo pode ser maya, ilusão?”
Walt Whitman

No centro de Sao Paulo Amélia é ou era uma garota; uma quase mulher considerada normal dentro dos padrões da modernidade. Faz chapinha, gosta de beijar, trabalha muito e ganha pouco.

Amélia muda-se para a avenida São João, no coração de São Paulo e conhece José , em cima de duas rodas, no largo do Arouche. A garota se apaixona por levar vento no rosto ao lado dele, e ver as imagens passarem apressadas com o corpo de José quente grudado ao seu. Amélia sente um gosto de pra semprematerializado em um corpo de homem ao seu lado. José é proletário da fome e corre em duas rodas todos os dias. Na cidade grande os dias realmente passam rápido demais.
José, por coincidência do destino, mora no prédio em frente do edifício-puleiro, onde Amélia sobrevive. Eram vizinhos e tão próximos que era possível ver a silhueta do outro entre as cortinas cinzas do apartamento dos amantes. "Só com binóculos posso ver. Ah sim ,com binóculos, olhos que magnificam as imagens."pensou Amélia. Foi a um marreteiro na 25 de março e comprou um binóculo importado. Como gostava de olhar Jose pelas frestas!
Até o dia em que, por um motivo ou outro, José cansou-se de Amélia. Antes considerada e endeusada como mulher de verdade , Amélia era agora aquela que não dava paz. É necessário deixar bem claro aqui: ela nào dava paz e ele não dava atenção. Ele tinha "outras" para dar atenção. Nada de amor por ali. José cansou-se dos gritos e da possessividade de Amélia.

Um não tao belo dia, ela entra em uma crise de ciúme, do tipo de quem sofre de medo de perder o que não tem; e se descabela, se unha e se bate. Uma doença perigosa levou Amélia a perder o controle e bater em José com toda sua fúria de abandono.
No limite ela diz : "Adeus. Até nunca mais." Como se fosse ela quem tivesse teminado aquela relação quase inexistente. Amélia vai para sua casa, no prédio em frente ao de José. Pensa alto: "Tudo acabado." Mas que nada. Tinha um binóculo olhando da janela de Amélia ; espiando incansavelmente o moço José. Meses se passaram e ainda um par de olhos quadrúpedes na janela. Olhos que pensavam : E se ele fizesse isso? Será que ele vai fazer aquilo? Onde estará José as 5 da tarde? Eram infindáveis as tardes com binóculos.
Todavia a verdade sempre aparece; um dia Amelia descobriu tudo. Viu tão rapido, em uma pequena lambida vesga de olhar; pela janela o seu amor se mataria. Isso ela ainda não sabia. "O binóculo pode estar errado", pensou Amélia. "Não pode ser. Esta desfocado, que merda , essa porcaria de binóculo." Quando ela esta a ponto de quebrar em pedacinhos aquelas lentes de aumento; sua única possibilidade de visão ampliada até então; ela se liga, ilumina-se e se desliga de José como um telefone cortado. Amélia muda, só pensava na outra mulher, ali, com José seu pensado-amado. Como poderia ser verdade? Mas, era.
José tirava a roupa da outra (outra =lambisgóia ) lentamente e a expressão do casal era de gozo profundo. Amélia quase podia ouvir os gemidos na sua imaginação. Amelia! Pobrezinha da que queria ser vítima. Como se ele a tivesse amado ou prometido algo ou não escutado o seu adeus. Chorou e chorou. Que bom! Depois da tragédia a abonança. Agora, finalmente, ela jogou o binóculo pela janela. Por sorte, não caiu na cabeça de nenhum passante. Parou de tomar anti depressivo e começou a fazer Yoga . Amélia sai para trabalhar todos os dias e colocou flores pra viverem em sua janela. Não faz mais chapinha. Está só, mas sente-se cobiçada. Antes só que mal acompanhada, esse é o lema. Ainda de carne . Que vai se fazer? Amélia ainda cheia de desejos. Entretanto, algo era certo: Amélia nao quer mais Josés.

Agora nao é mais importante se Jose quer Amélia, mas sim se Amélia quer José. Esperar um José nao interessa mais, perdeu-se no desfoco de imagens amanhecidas. Já esta ao longe um Jose descriado por Amélia. Surge um novo amante ainda inexixtente vindo das cinzas da janela como fênix. Vê-se o vulto e sabe-se que um dia transforma-se há em realidade. O José de mentira estava com uma M...... aria , que Amelia podia jurar que conhecia . Que cena de filme ver José transando, quase amando compassadamente uma outra. Tudo ali tão próximo em um binóculo, através da janela cinza. Parece que foi ontem, mas tanto faz as lembranças, a boca de mulher é muito umidecida e as lágrimas doces por demais. Talvez o útero de Amélia fosse grande demais para José. Tudo nesta vida é uma questão de observacão e atitude.

Dias e Círculos



Van Gogh
Tem dias que o desejo é voltar a posição fetal. Tento repousar no útero da cama que sangra lençois vermelhos ao me ver renascer. Engolindo formas geométricas expiro besouros. Muito barulho por dentro. Por fora fico imóvel. Hoje, quase sem movimento o mundo exterior. E se eu nao puder sair nunca mais do útero? Sera o útero a barriga da baleia? Em 3 dias aos 33 poderei viver novamente? O ar é rarefeito. Raramente respiro. Morro, assim aos poucos, economizando respiração. Que tristeza é essa nos ombros e esse quadril inundado de paranóia? Sento e constato que só consigo fazer cooper sentada. A solidao assusta e alimenta. Por favor! Me deixem ser engolida por uma baleia!!!!! Luto , luto e nada de ver os cardumes felizes. Ainda, se ao menos eu pudesse respirar e dormir normalmente. Artaud , Van Gogh. Quem sao vocês? Adormeci imaginando o dia que vocês se conheceram. Deve ter tido um estranhamento. Deve ter tido algo que não foi dito. A sociedade suicida alguns homens. Não é o homem que enlouquece, mas a sociedade que adoece sem parar. Não saio. Isolamento. Sem palavras para o mundo. Para que os bares? E os desperdícios? Para que essa falta de vida que move os carros e os homens modernos? Quanta poluição. Ainda se houvesse alguma esperança. Alegria. Entendimento. Entretanto, caduco na olimpíada dos sentidos; correndo em ondas cerebrais que morrem antes de chegarem ao encontro de qualquer outro nêutron, elétron ou energia quântica. A sociedade come toda a química, toda a tabela periódica e ainda infertiliza o solo. Nada de encontros. Meu corpo já passou a ser o meu único lar . Sem desejo de outro. Sem desejo de nada. Tem dias que são assim. Não da para sair de casa. Isso é uma constante antiga na minha vida, como a lei da gravidade para os físicos, o renascimento para os católicos, messias para os judeus. Tenho certeza de que quando não sei o que fazer melhor é que nada seja feito. Imóvel olho o turbilhão interno se manifestar.
29/01/09

A noite acaba de começar


Dali
Há um nada profundo na alma que habita um descampado amargo e descolorido. Volto-me ao umbigo narciso, transformado-o em centro gravitacional. Volto-me para o centro como me volto para a vida; onde todos umbigos se encontram. Arte e amor: formas invisíveis. Concluo: sem lentes de contato enxergo melhor. Tenho armas para enxergar o invisivel:olhos no peito, na testa, nas mãos, na barriga e em tantos outros lugares. Fiquei impessionada com tantos olhos dentro de mim! A expressao da vida sempre foi o meu combustivel solitario, longe das orgias alimentei-me de gente passando pelas ruas. Alimentei-me de ar puro e de solidao. Descobri que o egocentrismo eh o primo mau do amor proprio, desde entao tento ser tomada de amor para encorajar a vida. Lambo meus beicos lambuzados de saliva e sinto acordar em mim o halito de aguas salgadas. Um cheiro de ar impregnando as temporas e eu me sentindo um veleiro em alto mar. Eh bom mergulhar alem dos peixes conhecidos. As vezes , mesmo sem mergulhar posso ver peixes multicoloridos despontando como flores aquaticas em agua corrente.Amigos peixes, que bom ve-los desabrochando em grupo,ainda que eu me volte para a solidao. Caminho de tamancos pelo ceu procurando algum arco iris. Preciso de sapatos potentes para caminhar dentro de mim. Carrego sempre comigo máscara anti-compressão e bomba de inalação, pois dizem que a angústia pode causar falta de ar. Decido: vou sem malas para o aeroporto; as bagagens estão dentro de mim. Penso: o prazer solitário é um aprendizado masturbatório. O leite escorre dos meus peitos e de pernas abertas sinto que Zeus, através de uma partícula de ar, goza dentro de mim; confesso que poderia desprezar tal fato se não tivesse sentido arrepiado todos os poros. Continuo em uma longa caminhada de ossos e nervos. É quente a estrada e para resfrescar trago comigo um leque de emoções. Que difícil as palavras que nao se encontram! Impossível estar só no mundo, se existe o outro. Será possível dois universos dentro de um mesmo mundo? Não sei se quero ir além nessa prosa ou se coloco fim nesse romance cheio de letras em um só parágrafo. Quantos pontos finais em cada sentença antes do mistério do parágrafo ser desvendado? Ainda resta um nada branco e profundo. Sigo viagem sem bagagens em busca do que existe dentro e além de mim.

Manhã Solitária


Dali
Aprendi com as primaveras a deixar-me cortar e a voltar sempre inteira... (Cecília Meireles)

Pedaço de mim acordei sem ti. Acordei sem mim. Visto roxo e me preparo para o café. Frutas selecionadas em uma mesa quase vesga iluminada de luso- fusco: a toalha engole a ponta dos dedos; resta a colher ainda que as mãos tenham se perdido. As frutas se movem na compota como a angústia dentro de mim. Que prazer deglutir o que me consome: fome. Ah, se a fome fosse só feita de corpo! Sem dedos e sem mim. Ah se fosse só a solidão: eu bailaria junto com as frutas e vestiria roxo. Se fosse uma fome qualquer, acordaria longe dessa nuvem cinza que apaga o sol das retinas. Talvez me vestiria de azul royal, de preto ou nem me vestiria. Ah! Se a fome fosse pouca. Mas, tenho uma fome d’alma que dói além do estômago. Os buracos d' alma não se tapam com picanha . Espantosamente a fome real não se cala nem com chocolate. Ao raiar do dia, acordei sem um pedaço de mim. Que fome! Fome sem mesura e de largura avantajada. Sem espaço definido a fome moderna come os nadas do dia-a -dia. Será a vida um descampado sem cores? Seremos todos iludidos pelo arco-íris? Meus caros, a cor existe; além da capacidade de nossos olhos enxergarem.