domingo, 19 de julho de 2009

Ação Social Concreta Continuada


Museu da Imagem do Inconsciente RJ

Ação social concreta continuada no topo da árvore do Teatro do Oprimido. Nas raízes dessa árvore: ética, estética e solidariedade. Almejamos fazer teatro como política. Atualmente participo de um projeto na área de saúde mental, que é uma parceria do Centro de Teatro do Oprimido e o Ministério da Saúde.
Trabalho como coordenadora/curinga local do Pólo do Litoral Paulista. São muitas as estórias e as transformações, pessoais e coletivas, que observamos durante nosso trabalho. Queremos que o teatro possa ser utilizado como linguagem e como voz para a comunicação daqueles que são privados do seu o direito de falar. No caso da Saúde Mental; pela falta de autonomia para buscar seus direitos, que não estão garantidos de forma satisfatória.
Uma dentição saúdavel, por exemplo, poderia melhorar as possibilidades de articulação verbal, favorecer a comunicação e consequentemente criar maior possibilidade de autonomia. Ao garantir a dentição saudável está suprida uma das necessidades básicas para que o ser humano viva dignamente. O direito a cidadania, a saúde e aos direitos humanos são essenciais a todos, assim pensamos e agimos .

Dificuldades das falas: rebaixamento cognitivo, longos anos de tratamento e uso de medicamentos controlados, quandros psiquiátricos associados a quadros neurológicos, perdas advindas dos períodos de crise, falta de dentes, de higiene pessoal. Isso advém da difiiculdade de chegar até os recursos (por falta de autonomia) e acessar meios de cidadania.

Como coordenadora local visito 13 grupos em equipamentos de saúde mental do litoral paulista observando, trabalhando junto com os profissionais da saúde, os úsuarios de saúde mental, os familiares e a comunidade. Queremos que um ser humano não seja trancado em hospitais. Consideremos Foucault em seu livro sobre a historia da loucura, logo perceberemos que é uma questão histórica e opressiva.
O direito de ser amado, respeitado também deve ser concedido aos que são diferentes. Afinal quem é normal? Óbvio que esses pacientes quando medicados ficam embotados. Certamente estamos falando de pessoas com uma sensibilidade aguçada. Isso deveria excluir alguém do meio social?
O teatro que realizamos não faz milagre. Entretanto, provoca questionamentos e profundas mudanças pessoais e coletivas.
Afirmo: o amor pelo ser humano, inclusive pelos que sào tratados como a escória da sociedade é transformador. O amor de ser humano para ser humano humaniza a humanidade e a trasforma. O "se ver agindo" que o teatro nos proporciona pode revolucionar ações e posturas perante a vida. Vamos solidarios amar atuando de forma consciente na vida!
Falemos sobre um dia de visita que fiz os multiplicadores de Teatro do Oprimido com os quais trabalho no projeto "Teatro do Oprimido na Saúde Mental" . Os multiplicadores são psicólogos, terapeutas, assistêntes sociais, enfermeiras, fonodiólogos. A visita foi feita ao Selab, um Lar Abrigo, residência terapêutica para portadores de doenças mentais em Santos. Este equipamento é uma casa de saúde, de portões fechados, onde moram usuários da saúde mental que não possuem famílias, que tem casos severos. Muitos são remanescentes do hospital psiquiatrico Anchieta, que foi o primeiro hospital psiquiatrico a ser fechado no Brasil. Nesta casa procura-se humanizar o tratamento psiquiátrico. Há varios profissionais que trabalham em equipe para garantir uma vida sem camisa de força, sem choques elétricos, sem tortura.
Algo se repete a cada visita que faço ao Selab: quando chego à unidade os usuários estão espalhados pelos cantos e cômodos da casa e quando chamamos para o teatro mais de quinze se reúnem para a Oficina de Teatro do Oprimido. Dizem que a loucura entre outras coisas é a falta de habilidade de se comunicar, o isolamento, o descontrole, o delírio, a alucinação, o embotamento das emoções. Será que esses seres humanos não sentem? Não acredito.
Zip, zap foi o exercício feito em roda. Os internos atentos passavam os comandos do jogo. Por vezes trocavam zip pelo zap e por outras acertavam : como acontece na maioria dos grupos que trabalhamos quando aplicamos o jogo pela primeira vez, ou seja todos nós temos dificuldade. Imaginem quem toma Haldol, Diasepam, Akineton e outros tantos remédios fortissímos no mesmo dia? Será que são nossos olhos olham os usuários de saúde mental dentro de uma moldura antiga? Será possível ver todo ser humano com dignidade? Não é só possível: é necessário.
Os pacientes do lar abrigo são altamente medicados, logo seia rídiculo falar que não há nenhuma diferença. Existe dificuldade de relacionamento, porém embotamento não há, pois cada um da sua maneira interage. A interação entre eles é outra. Um dos fatores que tem me chamado a atenção nas oficinas é a dificuldade do trabalho em grupo, porém se são estimulados eles podem fazer um exercício razoavelmente complexo, que exige concentração. Essa semana fizemos uma improvisação baseada no Santa Tereza (técnica que trabalha improvisação e criação de personagem), os personagens eram paciente e médico. O grupo precisa que cada curinga ou multiplicador os acompanhe, dupla por dupla ou se dispersam. Lembrei-me de Paulo Freire que comentou sobre a angústia de planejar e saber que tudo pode ser transformado, se for em pró do diálogo do conteúdo proposto com a realidade dos participantes.
Aparecem devaneios em algumas duplas. Uma das duplas, por exemplo, ao perguntarmos quem faz o médico e quem faz o paciente eles respondem: sou o acomodado e o outro replicou e eu sou o preguiçoso. Será possível que eles sejam chamados tantas vezes de acomodados e preguiçosos que eles se sentem a vontade para fazer esse personagem? Em uma outra dupla surgiu o dentista e o paciente:
Paciente: Doutor eu preciso arrumar meus dentes. Podre assim ninguém vai querer me beijar.
Doutor: Não! Não eh muito caro.
Paciente: Mas eu preciso, preciso arrumar os dentes!

Ele mostra os dentes podres pra o Doutor.
O Pereira que faz o doutor vira ele mesmo e olha pra mim mostrando seus tocos de dentes podres e diz: Eu também, olha os meus dentes! Eu também quero ir ao dentista! Logo estava criado um grande círculo em volta de nós, como se estivéssemos atuando em arena. Logo, aparece uma outra usuária fazendo uma Doutora e leva os dois pacientes para o consultório.
Médica: eu posso tratar seus dentes, só que eh muito caro.
Paciente: Então não dá.
Outro paciente: Mas, isso aqui não é um lugar público?
Dentista: Não aqui eh meu consultório particular. De graça não tem jeito.
Perguntei se eles queriam ir ao dentista: mais da metade do grupo levanta as mãos e mostra os dentes podres. Como eu nunca havia reparado naqueles dentes podres?
Ação social concreta continuada necessária: dentista para os usuários internos da residência terapêutica. Eles também são seres humanos e tem o direito de comer, de falar, de ter saúde! Alguns ganham beneficio mensal e também moram em uma casa de responsabilidade pública. Logo a responsabilidade pela saúde bucal dessas pessoas também é publica. São pessoas sem família, sem amor, sem privilégios, sem casa própria e sem autonomia. São pessoas que moram em uma casa coletiva. Que fizeram eles para ter tanto dente podre? Tanto desprezo? O que esses psicóticos esquecidos pelo mundo fizeram? Além de serem sensíveis, diferentes, pobres e abandonados? Queremos dentista para os usuários! Falei com a Coordenadora de Saúde de Santos sobre a questão. Estamos trabalhando em conjunto: o Teatro do Oprimido e a coordenação da saúde mental do município. Política publica não pode ser feita só por um. Viva as diferenças e o direito a saúde!

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