sábado, 26 de setembro de 2009

Devaneios



Rene Magritte . Os sapatos vermelhos
“[...] no momento em que tento falar não só não exprimo o que sinto como o que sinto se transforma lentamente
no que eu digo. Ou pelo menos o que me faz agir não é o que eu sinto mas o que eu digo [...]” (LISPECTOR, 1980, p. 21).


Tem uma angústia vinda de não sei. Hoje, uma mulher segurou a minha mão e me disse chorando que sua vida não prestava. "Minha mãe só briga comigo", disse a mulher de quarenta e tantos anos. Ela, totalmente deseperançada. Eu, pensei: o amor o que é? Gosto de um no outro? Gosto deles e fico vazia. Gostando não me deixo gostar? Vai para além das expectativas a internação de Manuel. Um rapaz tão cheio de graça que um dia ficou louco. Assim mesmo: enlouqueceu do nada. A família nem entendeu. Mandou o rapaz pra fora dos seus aposentos. E só o deixou retornar quando ele recebeu o direito de um salário, benefício, dinheiro. Então, a família recebeu o menino-homem. Porém, familiares não se deram por satisfeitos; interdição foi a próxima palavra que usaram. Manuel pergunta assustado: “Interdição é pra sempre?”.
Tinha outra mãe no recinto que nos encontrávamos. Preocupada. Doente ela própria. Que fazer? As pupilas e as vísceras se retorceram na questão: como um doente segura outro doente quando os dois estão desmaiados?
Se assim fosse os quartos de hospitais não precisariam de enfermeiras; só pacientes que se cuidariam concomitantemente. Seria fácil, todavia a realidade é outra e dura.
Daydreaming é necessário, diz um amigo. Ao sonhar já penso no susto que será meu despertar na manhã seguinte. Quem sabe ainda seja madrugada quando pela manhã canta o galo? Quem sabe ainda. Ainda.
A cama suga. Entretanto, o melhor lugar da casa é o quarto. Aconchegante e solitário. Porque tantos diabos e santos no mundo? Porque tanto o que fazer? Não sou máquina. Não e não. Vou contra as muros. Todavia, me despedaço em cacos de carnes pulsantes quase todas as noites. O plural sempre dá problemas. Se escrevo assim ou assado. Vi ela ou viela. Tem diferença. Eu a vi. A forma interessa? Como objetivar o conteúdo e a forma concomitantemente? Esse é o caminho: o número dois.
Dois! Será possível o número dois? Se eu fosse matemática questionaria os pares. Matemáticos teimam em dizer que não mentem porque são racionais. Mentiras? Gosto mesmo são dos momentos oníricos. Ah, do lado de cá sonho com meu homem me dizendo que me ama pra sempre.
De onde vem as palavas multicoloridas? Gosto das cores, mas estou tocada por um destino abstrato incolor. Estou aplacada com o acaso. Intrigada com o futuro que desconheço. Para onde vou se estou com a cabeça zonza? Para onde vai a energia de quem está sem equilíbrio e decisão? Mas...Por que diabos a decisão tem que existir? Entretanto, se não souber fazer escolhas, nunca serei eu mesma: na integra.
Já imaginou o que é ser na integra? É mais do que uma dor. Mais que amor incondicional. Mais abundante que a água doce no Belém do Pará. Mais que. Ser na integra é alcançar o supremo. O êxtase. O gozo de estar inteiro, aqui e agora.
Há algo melhor do que estar presente no aqui agora? Algo melhor que degustar o presente seja lá qual for? Existe algo mais pleno que hoje, agora?
Amanhã pode não existir. E ontem já passou. Hoje é o supremo. E só vivo hoje se vivo na integra. Eu, self inteira.
Sufoco com porcas pequenas traições. São idiotas as falhas, se na essência se diz a verdade.
Se amo, o faço com todos poros e veias. O agora é corpo e espírito. Alma e razão. Decisão e dança. Amor e amor. Decisões estão recheadas de responsabilidade, mas a decisão não deve abarcar culpa. Quem sente culpa não decidiu. Está sem decisão interna. E o arrependimento? De que adianta esse tal arrependimento? O que adianta são atitudes. As ações internas e externas importam, inclusive muito e mais do que o discurso.

3 comentários:

  1. Olá Kelly, voltando ao seu blog...
    Um moisaico de indecisões impera em seu texto (seu ser?), tão bem escrito!
    Trabalho num hospital psiquiátrico. Não gosto muito de expor isso em meu blog.
    Talvez seria até legal não publicar este comentário.
    Muito menos sou Psiquiatra.
    Mas convivo diretamente com os "ditos" doentes mentais. Alguns realmente o são. Outros vítimas de nossa sociedade. Aliás 80% vítimas de um modo de vida excludente e outros 20% com distúrbios.
    Desculpa te escrever isso mas não me segurei.
    Bjs.
    Phlavious

    ResponderExcluir
  2. A Cidade vai Matar a Cidade


    À minha querida Kelly de Bertolli.
    “Bom dia, não quer dizer que teremos um dia bom,
    Nascer, Não quer dizer que vamos viver,
    Viver, Não quer dizer que vamos ser felizes,
    Mas, ela virá se ao menos deixarmos vim!
    O futuro a nós pertence.”

    Estância-SE, 07 de outubro de 2009.


    A cidade vai matar a cidade.
    Minha saudade é baforada de vulcão,
    Me retirando o coração faz um batuque...
    Saio na noite com os meus olhos de trovão!

    No mar, os dois lemes é vontade,
    O mar invade a incerteza do vão
    E o pirata com espada não usa truque;
    Sai guerreando nas veias do coração.

    A idade não vai matar a cidade,
    Cada cabeça tem o seu coração!
    Não é razão de a Duquesa perder o Duque
    E nem dois corpos ficar na solidão.

    O mar vai invadir a cidade,
    Minha baforada apagará o vulcão
    E retiro meu coração com um batuque
    Que silencia os raios na escuridão.

    Todo caminho é uma incerteza que arde,
    Cada saudade tem uma solidão,
    A solidão é um caminho mais tarde
    E em cada tarde tem uma multidão.

    Cada peito procura sua igualdade
    E ela arde na nossa palma da mão,
    Pois amar é uma simples verdade
    E o resto é só apenas uma confusão!

    A cidade vai matar a cidade...
    O mar invade a incerteza do vão...
    E a razão de a Duquesa perder o Duque
    Silencia os raios na escuridão.


    Tarcisio Ramos

    ResponderExcluir
  3. O teu texto é profundo porque fala da dor de viver. Muito mais do que isso, fala da dor de viver em um mundo onde as regras já estão escritas, onde não ha possibilidade de escolha... ou talvez seja somente o que deixa entender essas regras. De fato, não sou psiquiatra, mas notei um dia em uma visita a um manicômio como os loucos estão tão perto dos ditos “normais”. Minha pergunta é: sera que tudo não é feito para que essa dor de viver seja ainda mais profunda? Quanto mais angústia, quanto mais dor, mas fácil é a manipulação de conseguir uma felicidade barata? Sociedade de consomação, sociedade que quer proteger com guerras, sociedade que consome a própria terra sem ter conciêcia de que tudo precisa de tempo para transformação... Por isso fico pasma ao constatar que a loucura é fruto da nossa sociedade e não adianta querer se enganar.

    ResponderExcluir