sexta-feira, 21 de agosto de 2009

Prosa Livre


Kalachakra (tib. dus kyi 'khor lo / Dükyikhorlo), ou Roda do Tempo em sânscrito
"Se estivermos aptos a ver as energias do universo como realmente são, então as formas, cores e padrões se sugerem; Esse é o significado do Mahamudra, que significa "grande símbolo". Todo o mundo é um símbolo, não no sentido de um sinal representando outra coisa, mas no sentido de culminância das vívidas qualidades das coisas como elas são."
(Chögyam Trungpa, The Mith of Freedom and the Way of Meditation)
"A mandala representa a auto-identificação do microcosmo (a pessoa humana) com o macrocosmo que, para uma pessoa não-iluminada, possui a natureza do samsara; reciprocamente, ela se revela como a expressão perfeita da iluminação quando todas as diferenciações errôneas desaparecem no estado iluminado da não-dualidade. "
(David Snellgrove, Indo-Tibetan Buddhism)

Ás vezes importa a tristeza e o estado de feto. Será que ao dormir ficamos imunes ao medo? Pode ser que sonhar de olhos abertos seja dormir?Tanto e quanto no mundo importa e hoje só minha cria reluz no céu. Tanto vampiro solto em espaços públicos que sentir-se drenado por sorrisos hipócritas é comum. Que lastima.
Coisas simples da vida interessam: uma cerveja, um bom papo, ler um texto antigo acompanhado de outros ouvidos... Ah! Que prazer, trocar com o próximo amado o que há de mais fundo na janela da alma . Gosto do número dois, entretanto me interessa a solidão que tem o poder de nos aproximar do ínfimo do nosso ser. Longe das orgias é possível se alimentar de palavras, sensações e a firmeza de algum caminho reto. Está certo que luz é clareza. Clareza é saber o que deve- se fazer no próximo momento.Estive pensando sobre o que seria mostrar meu ser. Descobri que não tenho desejo de- monstrar nada. Quero apenas ser eu. Que me veja quem tiver olhos para ver. Sem botox estamos aí. Que veja quem estiver direcionado para o que há de pessoa na imagem.
Imagine a imagem de uma flor no espelho e alguém tentando pegá-la através do reflexo do cristal. Como sentir o cheiro da imagem da flor? Esse alguém não conseguiu alcançar e tocar a flor. Todavia, se esse alguém virasse de costas, teria uma surpresa: a flor estaria ali logo atrás de si mesmo. Só mudando o ponto de vista sentiria o cheiro da flor. A beleza perfumada estava logo ali tão perto e tão fora do campo de visão. A flor é real. A imagem da flor é imaginação. Aqui do lado dos riachos que correm livres entre as pedras vou em busca de olhar as coisas sem que a cor do pigmento dos meus olhos importe tanto.Já não espero telefonemas. Gosto de silêncio ao anoitecer. Palavras, ruidos e gente brotam de todos os lados. Me assusta por dentro o mundo externo. Preciso de paz. Hoje só música clássica.
Rego as palavras com olhos pelos quais vejo o mundo e o mundo me vê. Tem um colorido que me desperta para entender o arco íris de coração.Não farei ao acaso, por acaso, vou saber o por quê de cada ação que sai de minha espinha dorsal. Não é preciso mostrar é necessário ser. Que possamos viver como um ser em constante re-construção. O movimento da mandala poderia ser traduzido como a -vida.

quinta-feira, 20 de agosto de 2009

O quê ? Letras?

"A condição humana" Magritte


O próprio Magritte escreveu: “Eu coloquei em frente de uma janela, vista do interior dum quarto, uma pintura representando exatamente a parte da paisagem oculta pela própria pintura. Portanto, a árvore representada na pintura escondia a árvore localizada por trás dela, fora do quarto. Ela existia para o espectador, desta forma, ao mesmo tempo dentro do quarto na pintura e fora do quarto na paisagem real. Que é como nós vemos o mundo: nós vê-mo-lo como existindo fora de nós próprios, mesmo que seja apenas uma sua representação mental o que nós sentimos dentro de nós”. (tradução minha duma citação feita na pág. 706 de Gödel, Escher, Bach, An eternal Golden Braid, de Douglas R. Hofstadter, citando Suzi Gablik (presumo que em Magritte (London, 1970), p.184), citando o próprio René Magritte)

O que seria eu sem letras?
Um espírito sem corpo.
Oco e tosco
Entretanto letras saiem por minhas tetas
Saiem por dedos, palavras e canetas
Abundantes caiem direto do coração
Ainda que exista o se e o não
Que importa que o amanhã seja feito de senão?
Acredito fervorosamente
Na força da letra
E do borrão
Que feito com espírito
Pensamento, imagem e coração
Ganha força na multidão
Que sejam transitórias, mas que jamais caiam em vão
Que não sejam linguagens de manipulação
Como as faladas por certos políticos á grande população
Letras aqui são :
Letra pintura, letra fotografia, letra poesia, letra ética
Letra cinema, letra música, letra cor, letra teatro, letra sinalética
Rimada ou só estética
Com conteúdo, imagens, sons e cheiros
Letras até como números
Dignidade e direito á livre escrita para toda a humanidade
Letras para socorrer da solidão
Amo as pausas e a ausência
Também as que são combinadas e faladas
Talvez você não
Agora falo de mim e não precisa ser de todo cidadão
O que sou sem letras?
Só assombração
Sem linguagem, nem fala
Sou um boi sem pensamento
Perdido no meio da confusão.

Carlos Penna Filho


Pintura de Portinari
"Os retirantes""

Carlos Penna Filho: eis um poeta nordestino que admiro. Um desatre de automóvel o mata em 27 de junho de 1960 aos 31 anos de idade. Jorge Amado lamentou. Paulo Fernando Craveiro um dos amigos de Carlos falou sobre o companheiro: "ele dividia seu tempo em duas partes: escrever poesias e fazer amigos. Duas artes" . Nascido no Recife o poeta pouco conhecido nos dias atuais foi um inovador na poesia brasileira: da temática, e sobretudo a linguagem, carregada de oralidade, essencialmente musical e de forte apelo visual. Ele nos dá a sensação que pinta com palavras. Alguns anos atrás ganhei um livro de um amigo Poeta , li e gostei. Agora reli e adorei. Bons os amigos que nos apresentão amigos imortais feitos de letras vivas.
Vejam esse poema:

A SOLIDÃO E SUA PORTA
Quanto mais nada resistir que valha
e a pena de viver e a dor de amar
e quando nada mais interessar
(nem o torpor do sono que se espalha),

quando, pelo desuso da navalha
a barba livremente caminhar
e até Deus em silêncio se afastar
deixando-te sozinho na batalha

a arquitetar na sombra a despedida
do mundo que te foi contraditório
lembra-te que afinal te resta a vida

com tudo que é insolvente e provisório
e de que ainda tens uma saída
entrar no acaso e amar o transitório.
Carlos Penna Filho.

terça-feira, 11 de agosto de 2009

Amando pelas letras


Portinari "Mãos entrelaçadas"
Eles se amavam. Por cartas. Lá, entre a tinta e o papel, é que se encontravam. Se encontravam em potência, e desejavam em ato.Ana era letra redonda. Suspirava poesias numa caligrafia desenhada. Passeava os olhos entre a escrivaninha e a janela, como que a esperar. Não sabia bem o quê, se o carteiro ou o amado. Mas passeava os olhos, como que a esperar.Tomé era letra inclinada. Inclinada e comprida. Parecia querer chegar antes. Enquanto escrevia, era só mão e pena. Acentos e cedilhas eram alvo de volúpia, como um beijo inesperado. Não sabia bem quem lhe despertava a paixão, se o perfume da carta ou o odor da tinta. Mas devotava volúpia, como um beijo inesperado.Assim foram dias, meses. Ano e meio. E as cartas contavam o tempo. Com rigor e método. Uns dias, desejo; outros, canção. Uns dias, Ana era a um só tempo tanto rubor e quentura que sua mãe corria para a vila a chamar o médico. Outros dias, Tomé era tanto riso frouxo que seu pai o julgava amalucado. E as cartas contavam o tempo. Estações. Cartas quentes, frias, secas, encharcadas.Num dia, feriado nos correios, decidiram se encontrar. Seriam Tomé e Ana, Ana e Tomé. Seriam mais que abecedários amantes. E, para mútua surpresa, as próximas cartas denunciavam o desejo que ambos tiveram no mesmo dia. Feriado nos correios.Durante dois meses exatos, nem mais e nem menos, planejaram à exaustão. Tomé era texto em prosa, quase lógico. Cabia-lhe os detalhes, o local, o dia, a hora, e até mesmo as palavras. Ana era verso puro, alexandrino. Vaticinava os suspiros, as mãos dadas, olhos apaixonados, e o beijo. Sim, o beijo.No domingo de Pentecostes, manhã cedinho, Ana saiu de casa e Tomé chegou à estação. Foram em direção da Igreja. Seus corações, faces e sangue, vermelhos como os paramentos do ambão e do altar. Subiram à fila para a comunhão. Ana à frente, Tomé atrás. Comeram o corpo de Cristo e pensaram. Pensaram que aquilo era a celebração da saudade. Pensaram que a saudade só nasce da ausência. Comeram o corpo de Cristo e sentaram.Depois do Aleluia, saíram pela mesma porta. Ana viu, mas fez que não viu. Tomé fez que não viu, mas viu. O floricultor ensaiou uma saudação e Ana parou, aspirando até encher os pulmões de rosa. O jornaleiro gritou e Tomé parou, lendo as manchetes mais rápido do que poderia. Alguns minutos passados e alguns trocados a menos, Ana e Tomé, Tomé e Ana, voltaram para suas casas.Já na terça-feira, houve trabalho para o correio. Desta vez, Ana é quem foi volúpia, letra nua e ardente. Desta vez, foi Tomé a poesia, letra bela e lírica. E, assim, viveram suas vidas, em íntima comunhão. Fizeram de suas escrivaninhas verdadeiros altares eucarísticos. Celebraram a ausência e a saudade. E se amaram perdidamente entre os lençóis de suas cartas. Pois era assim que se amavam.
Migalheiro

Surrealismo pela adorada Anais Nin


Dali
Essa imagem eu vi no museu do Dali em Figueroa. Acredita que é um quadro qiue se vê subindo uma escada e olhando em um buraquinho? A imagem é uma sala de estar... Impressionante
"Surrealismo foi tomado da obra de Apollinaire, e significava uma "arte que ultrapassava as aparências, desobrigada da fidelidade para com o real". Se desenvolveu tanto na poesia quanto nas artes gráficas, não tendo nenhuma preocupação com a estética ou a moral. Buscava uma realidade superior em formas até então negligenciadas: o sonho, as idéias e demais manifestações de atividade mental. Para isso, se baseou na obra de Froid e Jung e seus estudos sobre a psicanálise, o inconsciente e a loucura. No entanto, não queria mudar o mundo, e sim a "mudar vida". Não era preciso destruir as artes anteriores, a meta era adentrar no pensamento e subconsciente humano deixando-o transparecer. E isso se deu de duas maneiras: com o automatismo (a fixação de imagens oníricas e do subconsciente de maneira natural, representada por uma arte mais abstrata) e com o surrealismo simbólico (que já tenta objetivar seu mundo interno através de imagens inteligíveis)". Marília Yamashita

Me dou o direito de ser fã de Anais Nin

Surrealismo


A vida de todos os dias não me interessa. Procuro apenas os momentos elevados. Estou de acordo com os surrealistas quanto à procura do maravilhoso.
Quero ser uma escritora que lembre aos outros que estes momentos existem. Quero provar que existe um espaço infinito, um sentido infinito para as coisas, uma dimensão infinita.
Mas não estou naquilo que se pode chamar de estado de graça. Tenho dias de iluminação e febre. Há dias em que a música para na minha cabeça. Então remendo peúgas, limpo árvores, apanho frutos, dou brilho ao mobiliário, mas enquanto faço isto sinto que não vivo.
- Anais Nin

sábado, 8 de agosto de 2009

Puzze "Brincando de caça palavras de amor"

O beijo de Rodin - Museu Paris



Em uma tarde cor de rosa há um sopro azul no ar
Meu céu voa até Zeus
Um deus nordestino arretadinho
Todo e inteirinho na porta do caminho
Ao lhe ver sou toda carinho
Ri eterno Zeus bronzeado, ri e vêm pro meu ninho
Convido-te:
Invada minhas terras
Salva-me da ausência e escuta :
Irra! Tem um fogo que só a paixão
Oh! plenitude que invade carne, alma e coração
Nessa terra pra lá de Pasárgada
Se sente sem razão
Têm um frio no estômago
Uma tremedeira que só amor de cão
Ah! Nessa terra não se ama em vão
Mandem os bombeiros do Olímpo acalmarem essa paixão
O sentimento se encandece vestido de carmim
Amanhã? Não sei de você ou de mim
Hoje só saudade que invade e fim.

Isadora Duncan , uma paixão






Quando morei em NY tive a oportunidade de estudar e praticar a dança de Isadora Duncan. Que lindas as coreográficas que são pura poesia! Os gestos de Isadora eram sempre como obras poéticas. Sou fã dessa mulher inesquecível.
Depois de algum tempo de aulas da técnica Isadora Duncan senti extremo desejo de falar sobre ela: a vida e a dança. Houve uma idéia de montar um espetáculo no Brasil. A idéia só se concretizou em pesquisa e um ensaio fotográfico.
As fotos acima são parte desse ensaio feito por Sérgio Audi. A parceira Paula Hernandes neste dia dançou comigo belas músicas clássicas em homenagem a deusa da dança Isadora Duncan.

sexta-feira, 7 de agosto de 2009

Isadora Duncan





"A minha arte é um esforço para exprimir em gestos a verdade do meu ser. Foram-me precisos longos anos para encontrar o menor gesto, absolutamente verdadeiro. As palavras têm um sentido diferente. Diante do público que acudia em massa às minhas apresentações, jamais hesitei. Dava-lhes os impulsos mais secretos da minha alma. Desde o início, nada mais fiz do que dançar a minha própria vida." Isadora Duncan
"Eu só poderia acreditar num deus que soubesse dançar.
Aprendi a andar e desde então deixo-me correr.
Aprendi a voar e desde então não preciso que me empurrem para mudar de lugar.
Agora sou leve, agora eu voo... agora um deus dança em mim."Isadora Duncan
Isadora Duncan causou escândalo em sua época ao trocar os Estados Unidos pela União Soviética, afirmando: “Prefiro viver de pão preto e vodca e sentir-me livre, a gozar as delícias da vida americana sabendo-me prisioneira.”
Ela era a segunda dos quatro filhos do poeta Joseph Charles e da pianista e professora de música Dora Gray Duncan. Nasceu em 1978, em São Francisco, e viveu uma infância atípica para os padrões da época. Filha de pais divorciados, ela, a irmã e os dois irmãos, foram criados na pobreza por sua mãe solteira, e além de receberem a educação formal, a mãe fazia questão de dar-lhes desde cedo, aulas particulares de literatura, poesia, música e artes plásticas.
Quando ela tinha ainda quatro anos, começou a freqüentar aulas de balé clássico. Na adolescência se apresentava acompanhada dos três irmãos ao som do piano de sua mãe. Desde cedo ela dava mostras de um temperamento transgressor, que a leva a abandonar as convenções do balé da época. As técnicas convencionais do balé clássico e romântico eram extremamente rígidas. Pedia a utilização do espaço geométrico do palco de maneira axial simétrica, durante as apresentações, o homem era sempre o líder e condutor dos movimentos, auxiliando também as mulheres, que deveriam preservar uma dança discreta, e o andar suave.
Aos 11 anos, a jovem Isadora já apresentava uma sensibilidade muito particular, desenvolvendo uma maneira própria de dança. Nessa idade começou também a dar aulas de sua nova técnica. Isadora considerava antiquadas as técnicas clássicas e as sapatilhas de ponta, além de serem incômodas e deformarem o corpo feminino. Foi ela a primeira manifestação substancial do movimento de ruptura que surgiria dentro do balé e que buscava uma forma de dança mais livre e expressiva. Nas palavras dela: "A beleza da arte não é feita de ornamentos, mas daquilo que flui da alma humana inspirada e do corpo que é seu símbolo..."
Em sua aversão pelo balé clássico chegou ao extremo de afirmar: "eu sou inimiga do balé, o qual considero arte falsa e absurda, que de fato está fora de todo o âmbito da arte". Ao romper com os padrões clássicos, Isadora Duncan propõe uma dança liberta de espartilhos, meias e sapatilhas de ponta, apresentando-se em espetáculos solo baseados em improvisações, dando ênfase aos gestos corporais assimétricos. Seus movimentos eram inspirados nos fenômenos na natureza, como o fluir das ondas do mar, do vento, e força das tempestades.
Para sua nova expressividade, Duncan foi buscar referências nas danças rituais da Grécia antiga. Passou a dançar de pés descalços vestindo apenas coloridas túnicas de seda, o que causou escândalo entre a conservadora mentalidade da época. Sua semelhança com as danças gregas podem ser conferidas através da comparação das antigas lápides de dançarinas gregas em rituais dionisíacos com fotos das dançarinas que seguiram a linha de balé iniciada por Isadora Duncan. Revolucionou ainda o repertório musical do que era considerado apropriado para temas de dança, e incorporou a seus trabalhos, peças como as de Chopin e Wagner, que na época eram executadas tão somente para serem ouvidas. “Tive três grandes mestres, os três grandes precursores da dança no nosso século: Beethoven, Nietzsche e Wagner”, dizia ela, que gostava de citar o filósofo Friedrich Nietzsche entre os compositores alemães. Inovou também a estética do palco, utilizando tão somente uma cortina azul como cenário, que visava reforçar a importância da expressividade do dançarino sem recorrer a subterfúgios que ela considerava artificiais e “vazios”.
Durante o desenvolvimento de sua carreira, cada vez mais caminhava para um estilo pessoal único. Visando realçar a emoção do dançarino, valorizou os movimentos espontâneos, mas não ausentes de técnica. Para aperfeiçoar seu balé, se entregou a estudos aprofundados sobre a origem da dança e suas diversas expressões em diferentes culturas, tais estudos resultaram em uma série de textos e ensaios teóricos sobre a dança, o papel da cultura e a vinculação com seu trabalho. "Desde o início sempre dancei minha vida", disse ela, certa vez, demonstrando a maneira particular como encarava a sua arte.
Apaixonada pela Grécia Antiga, as túnicas vaporosas, os pés descalços e os cabelos soltos, foram a sua marca. A inspiração, essa vai buscá-la às ondas, ao vento e às nuvens... os seus modelos de movimento e disciplina rítmica.
A sua apresentação em Paris em 1902, no Teatro Sarah Bernhardt, foi um sucesso estrondoso e o início de uma série de triunfos que lhe deram notabilidade mundial.
Depois da morte trágica dos dois filhos e do suicídio do marido, ela própria morre num acidente, durante um passeio de automóvel descapotável. A sua longa écharpe enrola-se numa das rodas...FATAL! 1877-1927

Carta de e por Mario Quintana


Mario Quintana
CARTA
Meu caro poeta,
Por um lado foi bom que me tivesses pedido resposta urgente, senão eu jamais escreveria sobre o assunto desta, pois não possuo o dom discursivo e expositivo, vindo daí a dificuldade que sempre tive de escrever em prosa. A prosa não tem margens, nunca se sabe quando, como e onde parar. O poema, não; descreve uma parábola tracada pelo próprio impulso (ritmo); é que nem um grito. Todo poema é, para mim, uma interjeição ampliada; algo de instintivo, carregado de emoção. Com isso não quero dizer que o poema seja uma descarga emotiva, como o fariam os românticos. Deve, sim, trazer uma carga emocional, uma espécie de radioatividade, cuja duração só o tempo dirá. Por isso há versos de Camões que nos abalam tanto até hoje e há versos de hoje que os pósteros lerão com aquela cara com que lemos os de Filinto Elísio. Aliás, a posteridade é muito comprida: me dá sono. Escrever com o olho na posteridade é tão absurdo como escreveres para os súditos de Ramsés II, ou para o próprio Ramsés, se fores palaciano. Quanto a escrever para os contemporâneos, está muito bem, mas como é que vais saber quem são os teus contemporâneos? A única contemporaneidade que existe é a da contingência política e social, porque estamos mergulhados nela, mas isto compete melhor aos discursivos e expositivos , aos oradores e catedráticos. Que sobra então para a poesia? - perguntarás. E eu te respondo que sobras tu. Achas pouco? Não me refiro à tua pessoa, refiro-me ao teu eu, que transcende os teus limites pessoais, mergulhando no humano. O Profeta diz a todos: "eu vos trago a verdade", enquanto o poeta, mais humildemente, se limita a dizer a cada um: "eu te trago a minha verdade." E o poeta, quanto mais individual, mais universal, pois cada homem, qualquer que seja o condicionamento do meio e e da época, só vem a compreender e amar o que é essencialmente humano. Embora, eu que o diga, seja tão difícil ser assim autêntico. Às vezes assalta-me o terror de que todos os meus poemas sejam apócrifos!
Meu poeta, se estas linhas estão te aborrecendo é porque és poeta mesmo. Modéstia à parte, as disgressões sobre poesia sempre me causaram tédio e perplexidade. A culpa é tua, que me pediste conselho e me colocas na insustentável situação em que me vejo quando essas meninas dos colégios vêm (por inocência ou maldade dos professores) fazer pesquisas com perguntas assim: "O que é poesia? Por que se tornou poeta? Como escrevem os seus poemas?" A poesia é dessas coisas que a gente faz mas não diz.
A poesia é um fato consumado, não se discute; perguntas-me, no entanto, que orientação de trabalho seguir e que poetas deves ler. Eu tinha vontade de ser um grande poeta para te dizer como é que eles fazem. Só te posso dizer o que eu faço. Não sei como vem um poema. Às vezes uma palavra, uma frase ouvida, uma repentina imagem que me ocorre em qualquer parte, nas ocasiões mais insólitas. A esta imagem respondem outras. Por vezes uma rima até ajuda, com o inesperado da sua associação. (Em vez de associações de idéias, associações de imagem; creio ter sido esta a verdadeira conquista da poesia moderna.) Não lhes oponho trancas nem barreiras. Vai tudo para o papel. Guardo o papel, até que um dia o releio, já esquecido de tudo (a falta de memória é uma bênção nestes casos). Vem logo o trabalho de corte, pois noto logo o que estava demais ou o que era falso. Coisas que pareciam tão bonitinhas, mas que eram puro enfeite, coisas que eram puro desenvolvimento lógico (um poema não é um teorema) tudo isso eu deito abaixo, até ficar o essencial, isto é, o poema. Um poema tanto mais belo é quanto mais parecido for com o cavalo. Por não ter nada de mais nem nada de menos é que o cavalo é o mais belo ser da Criação.
Como vês, para isso é preciso uma luta constante. A minha está durando a vida inteira. O desfecho é sempre incerto. Sinto-me capaz de fazer um poema tão bom ou tão ruinzinho como aos 17 anos. Há na Bíblia uma passagem que não sei que sentido lhe darão os teólogos; é quando Jacob entra em luta com um anjo e lhe diz: "Eu não te largarei até que me abençoes". Pois bem, haverá coisa melhor para indicar a luta do poeta com o poema? Não me perguntes, porém, a técninca dessa luta sagrada ou sacrílega. Cada poeta tem de descobrir, lutando, os seus próprios recursos. Só te digo que deves desconfiar dos truques da moda, que, quando muito, podem enganar o público e trazer-te uma efêmera popularidade.
Em todo caso, bem sabes que existe a métrica. Eu tive a vantagem de nascer numa época em que só se podia poetar dentro dos moldes clássicos. Era preciso ajustar as palavras naqueles moldes, obedecer àquelas rimas. Uma bela ginástica, meu poeta, que muitos de hoje acham ingenuamente desnecessária. Mas, da mesma forma que a gente primeiro aprendia nos cadernos de caligrafia para depois, com o tempo, adquirir uma letra própria, espelho grafológico da sua individualidade, eu na verdade te digo que só tem capacidade e moral para criar um ritmo livre quem for capaz de escrever um soneto clássico. Verás com o tempo que cada poema, aliás, impõe sua forma; uns, as canções, já vêm dançando, com as rimas de mãos dadas, outros, os dionisíacos (ou histriônicos, como queiras) até parecem aqualoucos. E um conselho, afinal: não cortes demais (um poema não é um esquema); eu próprio que tanto te recomendei a contenção, às vezes me distendo, me largo num poema que vai lá seguindo com os detritos, como um rio de enchente, e que me faz bem, porque o espreguiçamento é também uma ginástica. Desculpa se tudo isso é uma coisa óbvia; mas para muitos, que tu conheces, ainda não é; mostra-lhes, pois, estas linhas.
Agora, que poetas deves ler? Simplesmente os poetas de que gostares e eles assim te ajudarão a compreender-te, em vez de tu a eles. São os únicos que te convêm, pois cada um só gosta de quem se parece consigo. Já escrevi, e repito: o que chamam de influência poética é apenas confluência. Já li poetas de renome universal e, mais grave ainda, de renome nacional, e que no entanto me deixaram indiferente. De quem a culpa? De ninguém. É que não eram da minha família.
Enfim, meu poeta, trabalhe, trabalhe em seus versos e em você mesmo e apareça-me daqui a vinte anos. Combinado?
Mario Quintana

quinta-feira, 6 de agosto de 2009

Homem ou borboleta?


Daruma , o fundador do Zen Budismo


“Life falls down seven times, yet gets up eight…” Popular Japanese proverb



Sonho

Certa vez o mestre taoista Chuang Tzu sonhou que era uma borboleta, voando alegremente aqui e ali. No sonho ele não tinha mais a mínima consciência de sua individualidade como pessoa. Ele era realmente uma borboleta. Repentinamente, ele acordou e descobriu-se deitado ali, uma pessoa novamente. Mas então ele pensou para si mesmo:"Fui antes um homem que sonhava ser uma borboleta, ou sou agora uma borboleta que sonha ser um homem?"

quarta-feira, 5 de agosto de 2009

Sol de longe


Tarcila do Amaral

Quilômetros de di-estância envolvem meus pensamentos. Olhos d'água sempre me deixam com sede de banho. Cair em boca de amor pela manhã e nadar em suor de carinho á noite. Tudo que quero é solto . Vou leve suspirando alegre por estradas sinuosas.
Do dourado leão percebo a beleza de pêlos encaracolados e majestosos. Bonito de ver, gostoso de ter. Com desejo de pra sempre quero nadar no mundo. Vêm mais eu, vêm pra nossa caminha que já tá noitinha nesse frio paulistano. Me traz um pouco do sol desse sertão suingado . Esquenta minha imaginação que já dança um forró procurando mãos para além de corpos em vertigem . Para além de corpos estancados nus de emoção. Linhas distantes caiem com uma fúria calma na cama cheia de saudade.

Brincando de prosear



Dourado raio de sol entre por minhas entranhas
Sou voraz e estranha
mais nunca estrangeira em tuas terras
me banho em seus olhos de mar
caio profundo dentro de ti
ou tu dentro de mim?



Me envolva em seus cachos
Loiras mechas de diachos
Homem-menino toma meus pensamentos
Que já em ausência só perecem de tormentos
Volta homem meninim
Vem pra mim
Vem ver que minha boca é uma fonte sem fim

terça-feira, 4 de agosto de 2009

Sonho de saudade


Vladimir Kush



Ainda. Saudade. Ainda. Hoje logo nas primeiras horas do dia sonhei acordada: tinha sua boca dentro de mim e a barba roçando meu rosto. Sonhei com você dentro do meu âmago. Seus dentes rangiam um pouco e suas mãos pareciam delicados sons de veludo segurando meus seios e seus dedos singelamente olhavam para dentro dos meus poros. Pêlos, pernas enroscadas e orgasmos múltiplos: assim nascia o sol no quarto dos meus sonhos. A geografia de nervos, cabelos e músculos estavam para a anatomia física como nosso amor para o etéreo. Te engolia aos poucos e meu ser pulsante sorria. Amava á meia-luz, de dia em uma noite cinza escura. Amava e sorria dentro de você. Sede de seus beijos me colocavam no deserto do Saara mendigando sua saliva. Te necessitava todo seu, meu, todo dentro de mim. Sua imagem dentro do meu sonho se expandia e quase sumia nas entrelinhas. O que os olhos não vêem a imaginação desenha disse o menino. Que bonito o que disse o menino! Que bonito o sonho existir! Ah! Amado que há muito quero em sonhos dourados. Se não tiveres coragem de bater na minha porta eu desaparecerei da tua janela.
Que você possa me sugar até o fim, até que eu renasça fênix no céu da nossa cama. Vou embora, vou para meus aposentos, o inconsciente da noite, e te convido para que você visite minhas entranhas. Sinta-se em casa meu amado e venha para o meu sonho e me deixe te lamber, te tocar , assoprar delírios nos teus ouvidos. Mas vá embora, deixe meus sonhos amor meu, se não puderes ficar por inteiro. Não te quero pelo meio. Só tudo pode ser o suficiente quando procuramos o nada das coisas. Não suporto o nada que não contém o todo. Ainda saudade. Ainda. Assim acordei.